10.11.2012

Jornalismo a Sério


Jornalismo a Sério


Fazer jornalismo que informe sem desvirtuar ou destruir a verdade dos factos, mas sobretudo fazer jornalismo que ajude a cultivar, formar e enriquecer a inteligência humana é tarefa difícil que obriga a uma reflexão contínua, a um debruçar permanente sobre os acontecimentos diários, sabendo tirar deles as conclusões essenciais e lições decorrentes.
Serão todos estes órgãos de comunicação social porta voz dos seus leitores? Que interesses representam e defendem quando se esquecem dos leitores?
O jornalismo de ideias exige uma crítica sensata e lúcida daquilo que observamos, sem esquecer a exigência duma autocrítica severa e constante que castigue a desonestidade, a injustiça, os preconceitos falsos ou absurdos que para aí pululam. Fazer jornalismo sério e construtivo exige o inconformismo de levantar a voz para combater, quando a verdade o exigir, uma obediência servil a homens, ideias ou escola, de combater factores que uma sociedade gasta, incapaz e enferma.

Jornal centenário extinto há anos, um defensor da democracia
Um jornalista sério não pode adoptar uma posição de conformismo, um alheamento ao fluir dos acontecimentos, que directa ou indirectamente atinge a elevação ou decadência moral e social da humanidade.
O jornalista de ideias tem de viver intensamente os acontecimentos, dar-lhes alma e a sua carne, libertar-se do mundo dos lugares comuns e fugir à posição cómoda do neutralismo, que não faz ondas para não criar problemas.
O jornalista sério deve subestimar ou até desprezar as efemérides tentadoras e sensacionais, cujo conhecimento de nada serve ou até prejudica, para buscar o âmago dos problemas válidos, motivos de interesse e de actuação do espírito, deve procurar dignificar o jornal onde exerce um posto de vigia como intérprete e interventor consciente.

Diário de Lisboa extinto há anos, um proclamador da democracia
O jornalista deve ser um educador, e educar não é agitar paixões, não é alimentar uma morbidez que existe assolapada no íntimo da alma humana; é levar o homem menos lido, cujo padrão de cultura é muitas vezes apenas o seu jornal, a estruturar uma orgânica mental em que venha ao de cima a supremacia dum raciocínio equilibrado. Perante uma imensidade de asserções e suas consequências decorrentes, inspiradas tantas vezes pelos mais altos sentimentos ou pelas mais sórdidas intenções, o jornalista terá de emitir os seus juízos de valor, desprendido de simpatias pessoais ou de inimizades irredutíveis, terá de recalcar os seus impulsos ou as suas inclinações preferidas. Os seus juízos de valor serão a norma que milhares de pessoas irão adoptar, entregues a uma preguiça mental que os leva a raciocinar pela cabeça dos outros, sobretudo que admitem e aceitam tudo o que se diz e escreve no seu jornal.
Eis por que reputamos a profissão de jornalista como uma das mais sérias e relevantes na vida humana. Mas nem tudo são rosas nesta profissão tão sedutora. Não se nasce jornalista. Um bom jornalista não se improvisa. Tem de sentir um fogo sagrado a correr nas veias. Tem de saber ensinar algo ao sábio e ser compreendido pelo ignorante. Necessita duma preparação adequada ao seu difícil múnus. Escrever num jornal é uma arte e, por vezes, também será uma ciência. O jornalista tem de ser profundo nos conhecimentos de ordem geral, na humanidade, na dedicação, no colectivismo, no espírito de sacrifício, no exemplo da sua vida quotidiana porque o jornal é um homem público.
O jornal Comércio do Porto (1854-2005) publicou, em pranchas ou meias-pranchas semanais a cores. Publicou os episódios «Objectivo Lua» e «Explorando a Lua» (desconhecemos se na totalidade) entre 24 de Fevereiro de 1974 e 5 de Junho de 1975.
Todos têm os olhos postos nele sem que ele se aperceba. Eu diria até que o jornalismo é uma espécie de sacerdócio na medida em que exige uma mística de combate, um elevado espírito de sacrifício e uma disponibilidade sem reservas, já que o jornalista não tem calendário, nem relógio, nem domingo ou dia santificado. Às vezes, nem tempo para ver crescer os filhos ou para lhes fazer uma carícia mais demorada. É um autêntico contra-relógio sem calendário a sua vida.
Ora, uma profissão assim que exige tanto dos seus membros e tamanha repercussão tem na vida dos povos, ainda não foi encarada entre nós com aquele sentido de justiça e espírito de interesse que ela bem merece.
A Universidade portuguesa ainda não abriu a porta aos jornalistas formados na escola da vida, mas os jornais é que estão a estender a mão aos universitários que manifestam interesse por esta apaixonante carreira.
A França, neste campo, leva uns cem anos de avanço sobre nós. A Escola Superior de Jornalismo de Paris foi fundada em 1899. A nossa vizinha Espanha possui já algumas Escolas de Jornalismo, há mais de meio século. Precisamos dum jornalismo remoçado, pleno de entusiasmo, de experiência vivida no terreno, do sentido do pertinente, do útil e do construtivo, pleno de actualidade e frescura psicológica.
Paul Bourget falou, um dia, no sagrado dom de escrever. Ninguém como o jornalista tem de pôr ao serviço da comunidade humana este sagrado dom.
Segundo Chifley, um bom artigo é o que ensina alguma coisa ao mais sábio e que é compreendido pelo mais ignorante.
O bom jornalista tem de ter poder de criação e possuir espírito de observação e imaginação. Tem de conhecer e depois realizar, mas realizar escrevendo nem para todos, com entusiasmo e vivacidade.
Ser jornalista por devoção é uma das mais belas carreiras da humanidade. Dialogar diariamente com milhares de almas e, na verdade, um prazer, mas é também um prazer que tem os seus riscos. O genuíno jornalista, faz todos os dias um exame perante o júri mais exigente: a massa heterogénea de uma multidão ledora que é feita de reacções as mais diversas.
Dêmos ao jornalista as condições necessárias para manter quotidianamente o seu diálogo franco, aberto, útil e construtivo com os homens e a vida.
Assim dentro desta visão teremos um jornalismo a sério, que pressupõe e exige uma preparação não menos séria e a observância escrupulosa dum código de deontologia que, se não passa do papel, deveria existir na consciência de cada um que se preze de ser tratado como tal, incluindo aqueles cuja designação lhes é atribuída como colaboradores, os quais não estão isentos de responsabilidades integrais.

Joaquim Carlos
(Jornalista)

Obs: o presente artigo foi publicado no jornal Diário de Aveiro na edição datada do dia 29/12/2001. É transcrito e postado sem qualquer alteração d conteúdo. O jornalismo que se pratica hoje, é um jornalismo distante, preconceituoso, promiscuo, amarrado a interesses com ligações ao puro capital.
Com mais de 26 anos de jornalista, não me revejo nesta espécie de jornalismo que hoje nos é oferecido, principal razão da perda brutal de leitores, incluindo aqueles que nunca dispensavam o seu jornal logo pela manhã cedo, o qual lhe fazia companhia ao tomar um café. Desvaneceu-se esse hábito salutar.
A liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade e da democracia e nunca, mas, nunca deve ser restringida por forças ou governos despóticas, como temos vindo a assistir por este mundo fora. Quem elimina fisicamente jornalistas ou bloqueia a missão de informar, não é a favor da liberdade nem da democracia, ainda que diga que sim.
O jornalista tem que saber ouvir. «Se a dignidade humana significa alguma coisa para você – escreve Donald Laird – então, ouça os seres humanos, porque ouvindo-os, você cumprimenta-os e faz com que se sintam importantes».
Já pensaram em que, vivendo nós num mundo de sons, as pessoas não se ouvem umas às outras? Por vezes o que lemos é mais uma espécie de jornalismo de sarjeta do que outra coisa que se compare com jornalismo.



Um comentário:

  1. Nem mais. Mas o que dizer quando um jornalista, recentemente falecido afirma que a SIC até elege um Presidente da República? Estaria ele a falar da SIC estação televisiva, ou no poder do jornalismo e na sua tremenda capacidade para adulterar a verdade, na fomentação de correntes que tomam uns como bons e outros como maus, em nome e ao serviço de quem desconhecemos? Na sua grande luta pela liberdade de imprensa, não se tornaram hoje os jornalistas servos de quem tem poder, seja ele muito ou pequeno, seja ele político ou clubístico, seja ele na administração do título? Sim, sou mais umque deixei de ler jornais. Deles esperava que me dessem as ferramentas necessárias para que eu próprio formulasse a minha opinião. Mas não! Hoje os jornalistas são tão vaidosos que julgam que a sua opinião é a mais importante e, pior, é a única que é válida. Tempos houve em que a velha frase "ler jornais, é saber mais" fazia sentido. Hoje, ler jornais é comprar uma corrente pré-determinada, para a qual o jornalista se limita a assinar, e que não pode ser entendida como verdade. Ser jornalista já foi razão para que ele se sentisse honrado e orgulhoso da profissão. Hoje ser jornalista é uma vergonha, como vergonha são os jornais, televisões e rádios que por aí pululam. E o pior de tudo, é que julgando ser defensores da ética, os que continuam a ser jornalistas não denunciam o que se passa, a vergonha em que aqueles que não têm ética afundam toda uma classe e uma profissão que devia ser um exemplo. Confundem a definição de 4º Poder, e onde ele significa o poder de denunciar situações que prejudicam os mais frágeis, julgam que significa definir para os mais frágeis as opções que devem tomar.

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