José
Gomes Ferreira: Contra a TSU, pela austeridade
OPINIÃO
O
autêntico suicídio político, que Passos Coelho iniciou no dia 7 e Vítor Gaspar
aprofundou no dia 11 de Setembro, está a dar azo a interpretações que ameaçam
desvirtuar a discussão sobre as alterações propostas para a Taxa Social Única.
A
alteração da TSU não é uma medida de austeridade porque não representa um
contributo decisivo para a redução do défice, mas foi interpretada como tal e
esta a fazer alargar perigosamente a contestação a outras medidas, essas sim
destinadas à redução do défice, que são importantes e não têm alternativa.
José Gomes Ferreira -Subdiretor de Informação SIC |
Por
outras palavras, esta medida é um erro crasso e arrisca-se a bloquear toda a
austeridade que está em marcha e tem de mesmo de ser reforçada até ao fim do
programa de assistência financeira.
O
aumento de 64 por cento do desconto dos trabalhadores para a Segurança Social,
elevando a taxa de 11 para 18 por cento, deverá gerar receitas de 2.800 milhões
de euros. A devolução de 2.300 milhões de euros aos patrões, através da redução
da parte do desconto das empresas sobre o salário dos trabalhadores, de 23,75
para 18 por cento, torna inútil a maior parte deste esforço das famílias, ataca
de morte a procura interna e deixa apenas 500 milhões de euros para combater o
défice. Uma gota de água num oceano de dificuldades, que o próprio Governo já
quantificou em 4.900 milhões de euros no ano de 2013. Também por isso, esta
medida é um erro, nem sequer se destina a cobrir aquele défice.
Mas
esta medida é um erro monumental, sobretudo porque transfere um cheque chorudo,
de 2.300 milhões de euros, de famílias aflitas para empresas que não podem
garantir a criação de emprego porque isso não faz nenhum sentido – simplesmente
porque o mercado não está a crescer, está a diminuir. E vai diminuir ainda
mais, precisamente como consequência desta medida. Ninguém em seu perfeito
juízo investe em maquinaria e contrata empregados para produzir sem nenhuma
garantia de venda. O resultado seria apenas aumentar os stocks de bens. No caso
dos serviços nem isso é possível, mais trabalhadores ficariam de braços
cruzados.
E,
acima de tudo, esta medida é um erro moral porque transfere dinheiro para quem
não o merece, bem pelo contrário.
Sem teorizar agora sobre todas as causas
da crise económica e financeira em que vivemos, é muito importante recordar os
seguintes factos:
1.
Culpada da crise
foi a esquerda irresponsável, partidos e sindicatos que andaram anos a fio,
décadas a fio, a reclamar aumentos salariais, benesses e isenções sem fim,
esquecendo completamente o baixo nível de produção e o baixíssimo nível de
produtividade do país. Contribuíram decisivamente para o aumento do
endividamento público e, por consequência, da dívida externa.
2.
Culpados da crise
foram os políticos irresponsáveis, todos os políticos irresponsáveis de esquerda,
de centro e de direita, que estiveram no poder e que não puderam, não souberam
ou não quiseram contrariar esta pressão, tirando dela proveito para se
reeleger.
3.
Culpada da crise
foi a direita dos interesses que, em conluio entre grandes empresas, bancos,
construtoras, consultoras, deputados e governantes, atirou o país para o mais
elevado nível de endividamento de que há registo deste 1870 face ao Produto
Interno Bruto. Mais grave do que o endividamento – stock – este conluio levou à
criação de obrigações permanentes do Estado – fluxos - durante mais de 30 anos,
que representam pagamentos anuais de muitos milhares de milhões de euros a
essas empresas, arruinado as finanças nacionais e comprometendo o futuro, não
de uma, mas de várias gerações. O espelho e corolário deste conluio foi a
estratégia de financiamento da Estadas de Portugal desenhada em 2007 por José
Sócrates, Mário Lino e Paulo Campos, com um horizonte temporal de mais de 70
anos! Feito notável para quem foi eleito por apenas 4 anos, obrigando o Estado
a pagar milhares de milhões de euros aos parceiros privados de conluio durante
mais de três décadas. Não só amarraram o Estado a uma loucura financeira como
conseguiram resguardar as empresas beneficiárias das agruras próprias do
mercado concorrencial saudável, deixando-as em mercado protegido durante
décadas.
Estas
empresas são as mesmas que nos cobram os combustíveis (sem impostos, que é a
comparação legítima) muito acima da média europeia; que nos vendem a electricidade
a um preço insuportável e nos avisam por carta que vão aumentar ainda mais as
tarifas quando o mercado for liberalizado (conceito único no mundo para uma
liberalização); que cobram alguns – sublinho, alguns – serviços de
telecomunicações que podiam ser bem mais baratos; que nos cobram comissões por
serviços financeiros e utilização de cartões e outras facilidades ao nível de
países ricos; que esmagam preços da produção nacional a um nível abaixo do
limiar de sobrevivência para muitos produtores; que beneficiam do
fundamentalismo da ASAE, essa entidade radical que não questiona leis feitas
para economias como as da Escandinávia e aplica-as de forma implacável,
fechando micro e pequenas empresas por todo o país e atirando os clientes para
os médios e grandes interesses – se não é essa a causa é esse o efeito.
Pensávamos
nós portugueses – foi-me dito pessoalmente por fonte do Governo, logo a seguir
à cerimónia de posse - que a entrada em funções de um novo Governo em situação
de resgate financeiro internacional tinha sido feita para combater todos estes
lobbies obscuros e todos os grupos de pressão mais ou menos declarados – o
próprio memorando da Troika o exige, ao obrigar ao corte dos pagamentos na
energia e nas parcerias publico - privadas e à abertura de mercados a funcionar
em monopólio e oligopólio no sentido da verdadeira liberalização; que tinha
sido eleito para reduzir o défice de forma permanente e sustentada, cortando
despesa e só aumentando a receita do Estado na medida da urgência do calendário
e da dificuldade inicial de executar os cortes; que tinha sido eleito para
procurar consenso sempre que possível, mas para atuar com determinação se, e só
se, não fosse possível obter este consenso.
Enganámo-nos.
Com
a mega-transferência de riqueza das famílias para as empresas, através da TSU,
o Governo em vez de penalizar as empresas, bancos, construtoras, que nos
prejudicaram, dá-lhes um prémio. Não resolve o défice e dá-lhes um prémio
chorudo.
Os
empresários que não tiveram culpa nenhuma desta crise melhoram a tesouraria,
mas apenas durante algum tempo. Logo a seguir, a procura interna contrai-se de
tal forma que anula todos os ganhos.
Mas
o maior efeito não é económico nem financeiro. É político e social. O Governo
deu cabo de um capital mais precioso que o ouro, o dinheiro, as divisas – em 20
minutos destruiu o capital de credibilidade técnica e de confiança política – o
bem mais valioso que pode haver em democracia.
As
manifestações deste sábado, as maiores desde o período pós 25 de Abril, são a
prova desta destruição e do equívoco que se está a gerar no debate sobre a TSU,
que não é austeridade, é roubo – ninguém exigiu nas ruas que o cheque da
devolução das contribuições seja retirado aos grandes interesses económicos que
foram culpados da crise. Os slogans das manifestações não chegam, nem podem
chegar a este grau de pormenor. Toda a gente exigiu nas ruas o fim da
austeridade.
E
aqui está o perigo maior: o governo deu cabo da aceitação pelo povo de todas as
outras medidas de austeridade que foram anunciadas na terça-feira – e essas sim
são necessárias para combater o défice. Agora ninguém mais quer austeridade –
nenhuma, seja razoável e incontornável ou não.
Isto
era o que não devia, não podia ter acontecido. Este é o caminho mais curto para
Atenas e a direção oposta de Dublin. Mas agora os culpados não são os
sindicatos nem os partidos de esquerda, é o próprio Governo. Se não recuar está
perdido. E se recuar, estará irremediavelmente ferido. Até à saída é uma
questão de tempo, jamais chegará ao final desta legislatura.
Mais duas notas:
1.
quem escreveu num
editorial de um jornal semanário, que só agora os protestos sobem de tom porque
foi cortado um salário no setor privado - quando os funcionários públicos já
tinham dos salários cortados - e que a austeridade era inevitável, pelo que não
percebia os protestos – de facto não percebeu o que foi anunciado para a TSU:
que esta não vai reduzir o défice mas sim dar um cheque chorudo também a quem
não o merece. Convém não inquinar o verdadeiro debate…
2.
Que se passa na
cabeça do ministro da Solidariedade e Segurança Social? Não foi Pedro Mota
Soares quem, há pouco mais de três meses, apresentou ao país a ideia
estapafúrdia e perigosa de aplicar um plafond aos descontos para a segurança
social sobre os salários mais altos, porque o sistema não podia assumir tantas
responsabilidades com pensões, reduzindo no imediato o financiamento do sistema
e só obtendo alguns ganhos teóricos no longo prazo? Este mesmo ministro é
referido pelo Primeiro - Ministro como um dos autores da alteração da TSU que
vai cobrar mais 2.800 milhões de euros aos trabalhadores para devolver 2.300
aos patrões e o excedente – apenas 500 milhões – vai para combater o défice.
Isto é, a alteração não representa oficial e declaradamente nem mais um tostão
para reforçar o sistema de Previdência, o cofre para pagar as nossas reformas.
Pedro Mota Soares quer cobrar mais 64 por cento de TSU aos trabalhadores, mas
agora já não precisa deste dinheiro para reforçar o sistema? Será distração, ou
outra coisa com um nome bem mais feio?
José
Gomes Ferreira
Opinião
de José Gomes Ferreira
Subdiretor
de Informação SIC
16.09.2012
14:29
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