9.16.2012

Opinião de José Gomes Ferreira



José Gomes Ferreira: Contra a TSU, pela austeridade
OPINIÃO

O autêntico suicídio político, que Passos Coelho iniciou no dia 7 e Vítor Gaspar aprofundou no dia 11 de Setembro, está a dar azo a interpretações que ameaçam desvirtuar a discussão sobre as alterações propostas para a Taxa Social Única.

A alteração da TSU não é uma medida de austeridade porque não representa um contributo decisivo para a redução do défice, mas foi interpretada como tal e esta a fazer alargar perigosamente a contestação a outras medidas, essas sim destinadas à redução do défice, que são importantes e não têm alternativa.

 José Gomes Ferreira -Subdiretor de Informação SIC 
Por outras palavras, esta medida é um erro crasso e arrisca-se a bloquear toda a austeridade que está em marcha e tem de mesmo de ser reforçada até ao fim do programa de assistência financeira.

O aumento de 64 por cento do desconto dos trabalhadores para a Segurança Social, elevando a taxa de 11 para 18 por cento, deverá gerar receitas de 2.800 milhões de euros. A devolução de 2.300 milhões de euros aos patrões, através da redução da parte do desconto das empresas sobre o salário dos trabalhadores, de 23,75 para 18 por cento, torna inútil a maior parte deste esforço das famílias, ataca de morte a procura interna e deixa apenas 500 milhões de euros para combater o défice. Uma gota de água num oceano de dificuldades, que o próprio Governo já quantificou em 4.900 milhões de euros no ano de 2013. Também por isso, esta medida é um erro, nem sequer se destina a cobrir aquele défice.

Mas esta medida é um erro monumental, sobretudo porque transfere um cheque chorudo, de 2.300 milhões de euros, de famílias aflitas para empresas que não podem garantir a criação de emprego porque isso não faz nenhum sentido – simplesmente porque o mercado não está a crescer, está a diminuir. E vai diminuir ainda mais, precisamente como consequência desta medida. Ninguém em seu perfeito juízo investe em maquinaria e contrata empregados para produzir sem nenhuma garantia de venda. O resultado seria apenas aumentar os stocks de bens. No caso dos serviços nem isso é possível, mais trabalhadores ficariam de braços cruzados.

E, acima de tudo, esta medida é um erro moral porque transfere dinheiro para quem não o merece, bem pelo contrário.

Sem teorizar agora sobre todas as causas da crise económica e financeira em que vivemos, é muito importante recordar os seguintes factos:

1.     Culpada da crise foi a esquerda irresponsável, partidos e sindicatos que andaram anos a fio, décadas a fio, a reclamar aumentos salariais, benesses e isenções sem fim, esquecendo completamente o baixo nível de produção e o baixíssimo nível de produtividade do país. Contribuíram decisivamente para o aumento do endividamento público e, por consequência, da dívida externa.
2.     Culpados da crise foram os políticos irresponsáveis, todos os políticos irresponsáveis de esquerda, de centro e de direita, que estiveram no poder e que não puderam, não souberam ou não quiseram contrariar esta pressão, tirando dela proveito para se reeleger.
3.     Culpada da crise foi a direita dos interesses que, em conluio entre grandes empresas, bancos, construtoras, consultoras, deputados e governantes, atirou o país para o mais elevado nível de endividamento de que há registo deste 1870 face ao Produto Interno Bruto. Mais grave do que o endividamento – stock – este conluio levou à criação de obrigações permanentes do Estado – fluxos - durante mais de 30 anos, que representam pagamentos anuais de muitos milhares de milhões de euros a essas empresas, arruinado as finanças nacionais e comprometendo o futuro, não de uma, mas de várias gerações. O espelho e corolário deste conluio foi a estratégia de financiamento da Estadas de Portugal desenhada em 2007 por José Sócrates, Mário Lino e Paulo Campos, com um horizonte temporal de mais de 70 anos! Feito notável para quem foi eleito por apenas 4 anos, obrigando o Estado a pagar milhares de milhões de euros aos parceiros privados de conluio durante mais de três décadas. Não só amarraram o Estado a uma loucura financeira como conseguiram resguardar as empresas beneficiárias das agruras próprias do mercado concorrencial saudável, deixando-as em mercado protegido durante décadas.
Estas empresas são as mesmas que nos cobram os combustíveis (sem impostos, que é a comparação legítima) muito acima da média europeia; que nos vendem a electricidade a um preço insuportável e nos avisam por carta que vão aumentar ainda mais as tarifas quando o mercado for liberalizado (conceito único no mundo para uma liberalização); que cobram alguns – sublinho, alguns – serviços de telecomunicações que podiam ser bem mais baratos; que nos cobram comissões por serviços financeiros e utilização de cartões e outras facilidades ao nível de países ricos; que esmagam preços da produção nacional a um nível abaixo do limiar de sobrevivência para muitos produtores; que beneficiam do fundamentalismo da ASAE, essa entidade radical que não questiona leis feitas para economias como as da Escandinávia e aplica-as de forma implacável, fechando micro e pequenas empresas por todo o país e atirando os clientes para os médios e grandes interesses – se não é essa a causa é esse o efeito.

Pensávamos nós portugueses – foi-me dito pessoalmente por fonte do Governo, logo a seguir à cerimónia de posse - que a entrada em funções de um novo Governo em situação de resgate financeiro internacional tinha sido feita para combater todos estes lobbies obscuros e todos os grupos de pressão mais ou menos declarados – o próprio memorando da Troika o exige, ao obrigar ao corte dos pagamentos na energia e nas parcerias publico - privadas e à abertura de mercados a funcionar em monopólio e oligopólio no sentido da verdadeira liberalização; que tinha sido eleito para reduzir o défice de forma permanente e sustentada, cortando despesa e só aumentando a receita do Estado na medida da urgência do calendário e da dificuldade inicial de executar os cortes; que tinha sido eleito para procurar consenso sempre que possível, mas para atuar com determinação se, e só se, não fosse possível obter este consenso.

Enganámo-nos.

Com a mega-transferência de riqueza das famílias para as empresas, através da TSU, o Governo em vez de penalizar as empresas, bancos, construtoras, que nos prejudicaram, dá-lhes um prémio. Não resolve o défice e dá-lhes um prémio chorudo.

Os empresários que não tiveram culpa nenhuma desta crise melhoram a tesouraria, mas apenas durante algum tempo. Logo a seguir, a procura interna contrai-se de tal forma que anula todos os ganhos.

Mas o maior efeito não é económico nem financeiro. É político e social. O Governo deu cabo de um capital mais precioso que o ouro, o dinheiro, as divisas – em 20 minutos destruiu o capital de credibilidade técnica e de confiança política – o bem mais valioso que pode haver em democracia.

As manifestações deste sábado, as maiores desde o período pós 25 de Abril, são a prova desta destruição e do equívoco que se está a gerar no debate sobre a TSU, que não é austeridade, é roubo – ninguém exigiu nas ruas que o cheque da devolução das contribuições seja retirado aos grandes interesses económicos que foram culpados da crise. Os slogans das manifestações não chegam, nem podem chegar a este grau de pormenor. Toda a gente exigiu nas ruas o fim da austeridade.

E aqui está o perigo maior: o governo deu cabo da aceitação pelo povo de todas as outras medidas de austeridade que foram anunciadas na terça-feira – e essas sim são necessárias para combater o défice. Agora ninguém mais quer austeridade – nenhuma, seja razoável e incontornável ou não.

Isto era o que não devia, não podia ter acontecido. Este é o caminho mais curto para Atenas e a direção oposta de Dublin. Mas agora os culpados não são os sindicatos nem os partidos de esquerda, é o próprio Governo. Se não recuar está perdido. E se recuar, estará irremediavelmente ferido. Até à saída é uma questão de tempo, jamais chegará ao final desta legislatura.

Mais duas notas:

1.     quem escreveu num editorial de um jornal semanário, que só agora os protestos sobem de tom porque foi cortado um salário no setor privado - quando os funcionários públicos já tinham dos salários cortados - e que a austeridade era inevitável, pelo que não percebia os protestos – de facto não percebeu o que foi anunciado para a TSU: que esta não vai reduzir o défice mas sim dar um cheque chorudo também a quem não o merece. Convém não inquinar o verdadeiro debate…
2.     Que se passa na cabeça do ministro da Solidariedade e Segurança Social? Não foi Pedro Mota Soares quem, há pouco mais de três meses, apresentou ao país a ideia estapafúrdia e perigosa de aplicar um plafond aos descontos para a segurança social sobre os salários mais altos, porque o sistema não podia assumir tantas responsabilidades com pensões, reduzindo no imediato o financiamento do sistema e só obtendo alguns ganhos teóricos no longo prazo? Este mesmo ministro é referido pelo Primeiro - Ministro como um dos autores da alteração da TSU que vai cobrar mais 2.800 milhões de euros aos trabalhadores para devolver 2.300 aos patrões e o excedente – apenas 500 milhões – vai para combater o défice. Isto é, a alteração não representa oficial e declaradamente nem mais um tostão para reforçar o sistema de Previdência, o cofre para pagar as nossas reformas. Pedro Mota Soares quer cobrar mais 64 por cento de TSU aos trabalhadores, mas agora já não precisa deste dinheiro para reforçar o sistema? Será distração, ou outra coisa com um nome bem mais feio?

José Gomes Ferreira
Opinião de José Gomes Ferreira
Subdiretor de Informação SIC
16.09.2012 14:29

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