Sábado, 29 de Setembro de 2012
A EUROPA A FERRO E FOGO
Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
As imagens que nos últimos dias nos chegaram de Espanha devem constituir mais do que um grito de alerta. Elas exigem profunda reflexão e convidam a uma redobrada predisposição para agirmos contra a injustiça e a violência das políticas que nos estão a ser impostas.
A loucura que sustenta essas políticas choca com os direitos no trabalho, com os direitos sociais, com os direitos humanos, com as nossas culturas, com a democracia, com a estabilidade dos estados e o relacionamento saudável entre povos e estados, que se exige solidário e respeitador da soberania.
A divisão dos países da União Europeia (UE) em credores e devedores, dicotomia que se transporta também para a execução das políticas concretas em cada país - os trabalhadores e o povo são sempre devedores - é absolutamente criminosa e portadora de genes que podem desencadear conflitos inimagináveis.
Já se começou a ver que podem surgir complexas perturbações na unidade e funcionamento do Estado espanhol, mas este não é um problema exclusivo do nosso grande vizinho. Uma instabilização mais profunda da UE desencadeará situações graves em vários países.
Quando as políticas abandonam o ser humano - na sua dimensão individual e coletiva, e nos valores que estruturam a igualdade - e se instala a conceção de que há indivíduos que, por esta ou aquela razão, têm de ser sacrificados ou excluídos, não mais para a harmonização das condições de vida pelo retrocesso, não param as discriminações no seio de um povo ou entre povos, não param as agressões aos mais elementares direitos.
As "razões" a cada momento invocadas podem ter origem económica, cultural/comportamental, ou sócio/política. Desaguarem ou não em guerras é uma questão de tempo e, por consequência, de haver ou não, em tempo útil, um despertar e uma ação coletiva que trave o desastre.
Como todos sabemos, esta maldita crise tem origem nas práticas desonestas e oportunistas dos grandes acionistas dos bancos e dos grupos económicos. Os bancos atiraram dinheiro para a sociedade, num processo especulativo que só eles "controlavam", visando o enriquecimento acelerado e desmedido de alguns e com a certeza de que a qualquer momento o povo poderia ser acusado de "viver acima das suas possibilidades".
Induziram endividamentos, fomentaram a facilidade dos créditos, enredaram as pessoas e muitas empresas pequenas e médias em dependências e aprisionamentos diversos, designadamente manipulando mercados e preços de produtos e bens associados ao estilo de vida dominante. As "bolhas" com que a crise se expressou rebentaram de tão inchadas de crédito fácil.
Agora impõem-nos premência no pagamento das dívidas, aumentam-nas por processos especulativos através de juros imorais. A dimensão do saque é exatamente igual à dimensão do empobrecimento dos povos.
Esta maldita crise prolonga-se porque os pirómanos que a incendiaram se colocaram de imediato nos postos de comando, encenando que a estão a combater, quando, de facto, atiram sobre ela cada vez mais material altamente inflamável. Ao despejarem austeridade e sacrifícios sem fim sobre os trabalhadores e o povo, sabem bem que estão agravando a crise.
Este incêndio podia ter sido contido se quando deflagrou houvesse sensatez, abandono das políticas que lhe deram origem e responsabilização dos que atearam o fogo. A ganância, a insensatez, a iniquidade dos genes fundamentais do sistema capitalista, os interesses egoístas de uma classe dominante, predominaram e continuam a predominar.
Semearam ventos e vão colher tempestades. Mas, no meio do processo, são sempre os povos que sofrem!
Não podemos tolerar por mais tempo esta escabrosa experimentação social a que vimos sendo sujeitos. Trata-se da insistência numa espécie de crença, afirmada quantas vezes com laivos de insanidade mental, que não está muito distante de opções desastrosas observáveis na galeria de horrores da humanidade.
É tempo de mobilização dos povos contra o retrocesso civilizacional e as várias expressões de belicismo em que nos querem meter.
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