9.07.2012

Plasma Desviado ou Estragado no Brasil


Governo deixa estragar 55 mil bolsas de sangue
Descaso, incompetência administrativa e suspeita de um novo esquema de corrupção fizeram com que o Ministério da Saúde não desse uso a 13,7 mil litros de plasma sanguíneo avaliados em US$ 1,6 milhão.

Reportagem da Revista ISTOÉ
A cada ano, o Ministério da Saúde gasta milhões em campanhas de incentivo à doação de sangue. Boa parte dessas doações é industrializada fora do País e retorna como hemoderivados, medicamentos essenciais no tratamento de hemofílicos. A matéria-prima desse processo é o plasma sanguíneo, um insumo tão cobiçado que um litro chega a custar US$ 120 no mercado internacional – tanto quanto um barril de petróleo. O Ministério da Saúde esconde em um depósito no Distrito Federal um carregamento de 55 mil bolsas de plasma humano, avaliado em US$ 1,6 milhão, mas cuja validade está vencida há pelo menos cinco anos. O segredo, que pode causar estragos às pretensões políticas dos ex-ministros da Saúde Humberto Costa e José Gomes Temporão, além do actual ministro, Alexandre Padilha, está trancado a 50 graus negativos numa câmara frigorífica vigiada por seguranças armados.

Essa espécie de “túmulo do sangue”, como funcionários do ministério chamam o local, é apenas o fio de um novelo que está sendo deslindado em diferentes investigações pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União. Os processos, obtidos com exclusividade por ISTOÉ, atestam desvios recorrentes na produção e estocagem do plasma colectado e lançam suspeitas sobre a existência de uma nova modalidade de máfia dos vampiros, com conexões até na França. Os lotes vencidos foram colectados em 41 hemocentros e bancos de sangue de diversos Estados em 2003 e 2004, justamente o ano em que estourou o escândalo do comércio ilegal de hemoderivados, desbaratado pela Polícia Federal na Operação Vampiro. Então ministro, Costa chegou a ser indiciado por suspeita de participação no esquema. Em Março de 2010, foi absolvido pela Justiça e conseguiu ser eleito senador. Agora, apenas dois anos depois, está dedicado a virar prefeito do Recife, numa estratégia para chegar ao governo de Pernambuco em 2014.
 
Descaso
O depósito que guarda as bolsas estragadas fica na cidade-satélite de Águas Claras. Na foto maior, o estoque inadequado do produto.

O ex-ministro terá de explicar aos promotores por que abandonou as 55 mil bolsas de sangue no depósito do ministério. Naquele momento, havia duas empresas responsáveis pelo beneficiamento do plasma: a suíça Octapharma e a francesa LFB (Laboratoire Français Du Fractionnement et des Biotechnologies S/A). Citadas no inquérito da Operação Vampiro, nenhuma delas se encarregou dos lotes. À ISTOÉ, Costa admitiu que sabia do carregamento estocado e impetrou recurso junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região “a fim de dar aproveitamento ao produto.” O recurso, segundo ele, foi negado sob o argumento de que sua liberação poderia implicar grave prejuízo ao erário. O hoje senador diz que não acompanhou os desdobramentos do caso.

Antes de deixar o cargo em 2005, Costa criou a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados (CGSH) e mandou fazer nova licitação, engavetada nas gestões-tampão dos peemedebistas Saraiva Felipe e Agenor Álvares e retomada apenas no final de 2007, por José Gomes Temporão. A licitação lançada por Temporão foi vencida pela francesa LFB e o contrato previa o fornecimento de hemoderivados e a transferência da tecnologia de fraccionamento do plasma para a Hemobrás, estatal criada por Costa em 2004 e que até hoje não saiu do papel. “Contratamos a empresa numa licitação transparente”, afirma Temporão, que diz desconhecer o carregamento de plasma vencido.

Em ofício encaminhado ao MP sobre o caso, o coordenador-geral de sangue e hemoderivados do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez, alega que, quando a LFB foi contratada, o plasma estocado em Brasília “já se encontrava vencido, não sendo viável a sua utilização e recolhimento no escopo do objecto do contrato”. Genovez se referia ao uso na produção dos chamados factores 8 e 9 para o tratamento de hemofílicos. Como são mais sensíveis, esses produtos devem ser aproveitados com o plasma mais fresco. Entretanto, mesmo vencido esse prazo, ainda seria possível processá-lo para a obtenção de imunoglobulina e albumina, de uso cirúrgico.

O Ministério da Saúde garante que negociou com a LFB um aditivo contratual, que só seria assinado em 2009. Mas, com a demora, o que restava do material também perdeu a validade. Estranhamente, a LFB disse à ISTOÉ que “desconhece o assunto”. No documento enviado ao MP, Guilherme Genovez informa que o descarte do material sofreu impedimentos sanitários nos anos seguintes e voltou a ser debatido em 2011, já na gestão do ministro Alexandre Padilha. Mas acrescenta que não há ainda cronograma nem método para o descarte. Ao ser questionado pela reportagem, Padilha informou por meio da assessoria de imprensa que já está com edital pronto para escolher em 30 dias a empresa que fará o descarte do material.

O problema com os hemoderivados não se restringe ao caso do depósito em Brasília. ISTOÉ obteve com exclusividade cópia de um relatório de auditoria feita por técnicos do Ministério da Saúde nas instalações da LFB, em Lille e Lês Ulis, Paris. Os técnicos ouviram dos dirigentes da empresa explicações controversas e relataram uma série de irregularidades. O documento está na mesa de Padilha desde maio. Uma das mais graves denúncias diz respeito a uma carga de mais de meia tonelada de produtos intermediários de hemoderivados que foi estocada, sem uso. O procedimento nem sequer foi notificado ao governo brasileiro. São 673 quilos de produtos semiacabados com prazo de validade expirado cujo destino não foi informado ao Ministério da Saúde, como prevê o contrato entre o governo e a LFB. Outro lote ainda maior, com quase 1,2 tonelada de princípio activo para a produção de hemoderivados, também se encontrava estocado, em regime de quarentena e prazo de validade próximo de expirar. Uma terceira carga de 1,5 tonelada foi totalmente perdida por desvios de qualidade durante o processo produtivo.

Surpreendeu os técnicos o facto de a LFB usar na produção do factor 9 (aquele para o tratamento de hemofílicos) lotes de 2,8 mil litros num equipamento com capacidade máxima de 2,2 mil litros, “implicando com isso a perda de aproximadamente um lote de produto acabado para cada quatro descongelamentos de plasma”. Os técnicos do ministério calcularam o descarte de plasma em aproximadamente 30%, quase o dobro do limite de 15%. Além dos descartes irregulares, a auditoria atestou divergências entre o rendimento do plasma declarado pela LFB e o apurado pelos técnicos, em alguns casos de até 50% a menos. O ministério diz que solicitou à empresa indemnização dos produtos e ameaçou com multas e sanções.

Para o procurador do TCU Marinus Marsico, as informações colhidas pela auditoria do Ministério da Saúde são “extremamente graves”. Na sexta-feira 31, ele entrou com pedido de investigação complementar na corte, no qual também alerta sobre a assinatura pelo governo de aditivos suspeitos aos contractos com a LFB. Segundo o procurador, pode ter havido burla à lei de licitações e até a “execução concomitante de dois contractos com objectos iguais”, a fim de ocultar alguma irregularidade ou pagamento em duplicidade. A “irregularidade” a que Marinus se refere, embora não expressamente, teria a ver com suspeitas de existência de um mercado negro de plasma, que se aproveita da falta de controle governamental. Por ora, não há provas desse comércio ilegal. Indícios claros aparecem em trecho do relatório da auditoria, no qual técnicos questionam o desaparecimento de princípios activos de hemoderivados. Na reunião que discutiu a auditoria, a desconfiança era tanta que o director de qualidade da LFB, Robert Vedeguer, precisou defender a honra de seus funcionários. “Eu gostaria de convencer o Ministério da Saúde da honestidade dos técnicos da LFB”, disse. Por meio da assessoria de imprensa, a LFB garantiu que “não há possibilidade de uso irregular ou desvio de destinação do plasma enviado à França”.

As suspeitas de desvio de plasma para o mercado negro estão sendo investigadas pelo promotor de Justiça do Distrito Federal, Moacyr Rey Filho. As pistas foram dadas pelo médico Crescêncio Antunes da Silveira Neto, ex-secretário de Gestão Participativa do Ministério da Saúde e ex-conselheiro da Hemobrás, na gestão Temporão. Em depoimento, Antunes disse que “suspeita que os desvios ocorram em vários Estados e em número maior no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia”. Para sustentar sua tese, ele apresentou planilha com registros de descarte exagerado do Hemocentro de Brasília. Seja como for, só uma apuração aprofundada poderá determinar se todo esse desperdício de sangue é o sintoma mais evidente da existência de uma nova máfia no sector ou apenas resultado do descaso e da incompetência.

Fonte: ISTOÉ

13 Comentários

Camila Vieira · São Paulo
Ridículo. Já é difícil conseguir doadores, e eles estão pouco se lixando. Uma falta de respeito, dai falta doador, os bancos de sangue precisando de doadores e vem com campanhas de incentivo. È um descaso imenso.
Responder · 9 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 17:02

André Rangel · UNIEURO - AGUAS CLARAS
absurdo!!!! Pra mim que sou doador de sangue é lastimável! Pena!!!
Responder · 4 · Curtir · Seguir publicação · Quinta às 22:41

Hérico Almeida ·  Quem mais comentou · UFPE
Ai o puto do Humberto ainda quer ser prefeito!
Responder · 3 · Curtir · Seguir publicação · Quinta às 14:08

Vanessa Rüecker · Assinar · Trabalha na empresa Tokio Marine
Fazemos nossa parte, ajudamos quem precisa e quem sabe um dia seja um de nós que precise... E o governo tá nem ai! Brasil um país de todos? ¬_¬
Responder · 1 · Curtir · Seguir publicação · há 6 horas

Renata Paiva · Estagiária de Relações Públicas na empresa Mind up
Descuido com o sangue Brasileiro.
Responder · 1 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 17:11

Claudia Costa
Absurdo
Responder · Curtir · Quarta às 17:27

Thiago Dantas
120$ OBAMIS!!! to vendendo o meu!!!
Responder · 1 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 18:28

Daiane Ferreira Muñoz · Trabalha na empresa Ericsson
que absurdo! Que país é esse?
Responder · 1 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 17:10

Nathan Faria
é a porra do brasil :S
Responder · Curtir · Quinta às 02:19

Tiago Rodrigues · Assinar · Faculdade 7 de Setembro - FA7
Lamentável --"
Responder · Curtir · Seguir publicação · há 20 horas

Felícia Lisboa
Será que meu sangue foi para o lixo.
Responder · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 18:10

Rogério Strapazzon
Foi. Idependente de ter ido... (doar teu sangue para uma sociedade assim já é jogá-lo no lixo!)
Responder · Curtir · Quinta às 00:08

Felícia Lisboa
Nossa isso foi de doer.Doo sangue com tanto amor a cada 90 dias.
Responder · 1 · Curtir · Quinta às 00:20

Rogério Strapazzon
Entendo... e se te faz bem praticar este ato de amor, continue. Mas lembre-se sempre de entender também àqueles que não quiserem doar, pois eles também terão os motivos deles, e talvez tenham também até razão. Beijos!
Responder · Curtir · Quinta às 00:24
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Fatima De Jesus Machia Dela Viola · Assinar
absurdo...
Responder · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 19:36

Um comentário:

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