Governo
deixa estragar 55 mil bolsas de sangue
Descaso,
incompetência administrativa e suspeita de um novo esquema de corrupção fizeram
com que o Ministério da Saúde não desse uso a 13,7 mil litros de plasma
sanguíneo avaliados em US$ 1,6 milhão.
Reportagem da Revista ISTOÉ |
A
cada ano, o Ministério da Saúde gasta milhões em campanhas de incentivo à
doação de sangue. Boa parte dessas doações é industrializada fora do País e
retorna como hemoderivados, medicamentos essenciais no tratamento de
hemofílicos. A matéria-prima desse processo é o plasma sanguíneo, um insumo tão
cobiçado que um litro chega a custar US$ 120 no mercado internacional – tanto
quanto um barril de petróleo. O Ministério da Saúde esconde em um depósito no
Distrito Federal um carregamento de 55 mil bolsas de plasma humano, avaliado em
US$ 1,6 milhão, mas cuja validade está vencida há pelo menos cinco anos. O
segredo, que pode causar estragos às pretensões políticas dos ex-ministros da
Saúde Humberto Costa e José Gomes Temporão, além do actual ministro, Alexandre
Padilha, está trancado a 50 graus negativos numa câmara frigorífica vigiada por
seguranças armados.
Essa
espécie de “túmulo do sangue”, como funcionários do ministério chamam o local,
é apenas o fio de um novelo que está sendo deslindado em diferentes
investigações pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União. Os
processos, obtidos com exclusividade por ISTOÉ, atestam desvios recorrentes na
produção e estocagem do plasma colectado e lançam suspeitas sobre a existência
de uma nova modalidade de máfia dos vampiros, com conexões até na França. Os
lotes vencidos foram colectados em 41 hemocentros e bancos de sangue de
diversos Estados em 2003 e 2004, justamente o ano em que estourou o escândalo
do comércio ilegal de hemoderivados, desbaratado pela Polícia Federal na
Operação Vampiro. Então ministro, Costa chegou a ser indiciado por suspeita de
participação no esquema. Em Março de 2010, foi absolvido pela Justiça e
conseguiu ser eleito senador. Agora, apenas dois anos depois, está dedicado a
virar prefeito do Recife, numa estratégia para chegar ao governo de Pernambuco
em 2014.
Descaso
O
depósito que guarda as bolsas estragadas fica na cidade-satélite de Águas
Claras. Na foto maior, o estoque inadequado do produto.
O
ex-ministro terá de explicar aos promotores por que abandonou as 55 mil bolsas
de sangue no depósito do ministério. Naquele momento, havia duas empresas
responsáveis pelo beneficiamento do plasma: a suíça Octapharma e a francesa LFB
(Laboratoire Français Du Fractionnement et des Biotechnologies S/A). Citadas no
inquérito da Operação Vampiro, nenhuma delas se encarregou dos lotes. À ISTOÉ,
Costa admitiu que sabia do carregamento estocado e impetrou recurso junto ao
Tribunal Regional Federal da 1ª Região “a fim de dar aproveitamento ao
produto.” O recurso, segundo ele, foi negado sob o argumento de que sua
liberação poderia implicar grave prejuízo ao erário. O hoje senador diz que não
acompanhou os desdobramentos do caso.
Antes
de deixar o cargo em 2005, Costa criou a Coordenação-Geral de Sangue e
Hemoderivados (CGSH) e mandou fazer nova licitação, engavetada nas
gestões-tampão dos peemedebistas Saraiva Felipe e Agenor Álvares e retomada
apenas no final de 2007, por José Gomes Temporão. A licitação lançada por
Temporão foi vencida pela francesa LFB e o contrato previa o fornecimento de
hemoderivados e a transferência da tecnologia de fraccionamento do plasma para
a Hemobrás, estatal criada por Costa em 2004 e que até hoje não saiu do papel.
“Contratamos a empresa numa licitação transparente”, afirma Temporão, que diz
desconhecer o carregamento de plasma vencido.
Em
ofício encaminhado ao MP sobre o caso, o coordenador-geral de sangue e
hemoderivados do Ministério da Saúde, Guilherme Genovez, alega que, quando a
LFB foi contratada, o plasma estocado em Brasília “já se encontrava vencido,
não sendo viável a sua utilização e recolhimento no escopo do objecto do
contrato”. Genovez se referia ao uso na produção dos chamados factores 8 e 9
para o tratamento de hemofílicos. Como são mais sensíveis, esses produtos devem
ser aproveitados com o plasma mais fresco. Entretanto, mesmo vencido esse
prazo, ainda seria possível processá-lo para a obtenção de imunoglobulina e
albumina, de uso cirúrgico.
O
Ministério da Saúde garante que negociou com a LFB um aditivo contratual, que
só seria assinado em 2009. Mas, com a demora, o que restava do material também
perdeu a validade. Estranhamente, a LFB disse à ISTOÉ que “desconhece o
assunto”. No documento enviado ao MP, Guilherme Genovez informa que o descarte
do material sofreu impedimentos sanitários nos anos seguintes e voltou a ser
debatido em 2011, já na gestão do ministro Alexandre Padilha. Mas acrescenta
que não há ainda cronograma nem método para o descarte. Ao ser questionado pela
reportagem, Padilha informou por meio da assessoria de imprensa que já está com
edital pronto para escolher em 30 dias a empresa que fará o descarte do
material.
O
problema com os hemoderivados não se restringe ao caso do depósito em Brasília.
ISTOÉ obteve com exclusividade cópia de um relatório de auditoria feita por
técnicos do Ministério da Saúde nas instalações da LFB, em Lille e Lês Ulis,
Paris. Os técnicos ouviram dos dirigentes da empresa explicações controversas e
relataram uma série de irregularidades. O documento está na mesa de Padilha
desde maio. Uma das mais graves denúncias diz respeito a uma carga de mais de
meia tonelada de produtos intermediários de hemoderivados que foi estocada, sem
uso. O procedimento nem sequer foi notificado ao governo brasileiro. São 673
quilos de produtos semiacabados com prazo de validade expirado cujo destino não
foi informado ao Ministério da Saúde, como prevê o contrato entre o governo e a
LFB. Outro lote ainda maior, com quase 1,2 tonelada de princípio activo para a
produção de hemoderivados, também se encontrava estocado, em regime de
quarentena e prazo de validade próximo de expirar. Uma terceira carga de 1,5
tonelada foi totalmente perdida por desvios de qualidade durante o processo
produtivo.
Surpreendeu
os técnicos o facto de a LFB usar na produção do factor 9 (aquele para o
tratamento de hemofílicos) lotes de 2,8 mil litros num equipamento com
capacidade máxima de 2,2 mil litros, “implicando com isso a perda de
aproximadamente um lote de produto acabado para cada quatro descongelamentos de
plasma”. Os técnicos do ministério calcularam o descarte de plasma em
aproximadamente 30%, quase o dobro do limite de 15%. Além dos descartes
irregulares, a auditoria atestou divergências entre o rendimento do plasma declarado
pela LFB e o apurado pelos técnicos, em alguns casos de até 50% a menos. O
ministério diz que solicitou à empresa indemnização dos produtos e ameaçou com
multas e sanções.
Para
o procurador do TCU Marinus Marsico, as informações colhidas pela auditoria do
Ministério da Saúde são “extremamente graves”. Na sexta-feira 31, ele entrou
com pedido de investigação complementar na corte, no qual também alerta sobre a
assinatura pelo governo de aditivos suspeitos aos contractos com a LFB. Segundo
o procurador, pode ter havido burla à lei de licitações e até a “execução
concomitante de dois contractos com objectos iguais”, a fim de ocultar alguma
irregularidade ou pagamento em duplicidade. A “irregularidade” a que Marinus se
refere, embora não expressamente, teria a ver com suspeitas de existência de um
mercado negro de plasma, que se aproveita da falta de controle governamental.
Por ora, não há provas desse comércio ilegal. Indícios claros aparecem em
trecho do relatório da auditoria, no qual técnicos questionam o desaparecimento
de princípios activos de hemoderivados. Na reunião que discutiu a auditoria, a
desconfiança era tanta que o director de qualidade da LFB, Robert Vedeguer,
precisou defender a honra de seus funcionários. “Eu gostaria de convencer o
Ministério da Saúde da honestidade dos técnicos da LFB”, disse. Por meio da
assessoria de imprensa, a LFB garantiu que “não há possibilidade de uso
irregular ou desvio de destinação do plasma enviado à França”.
As
suspeitas de desvio de plasma para o mercado negro estão sendo investigadas
pelo promotor de Justiça do Distrito Federal, Moacyr Rey Filho. As pistas foram
dadas pelo médico Crescêncio Antunes da Silveira Neto, ex-secretário de Gestão
Participativa do Ministério da Saúde e ex-conselheiro da Hemobrás, na gestão
Temporão. Em depoimento, Antunes disse que “suspeita que os desvios ocorram em
vários Estados e em número maior no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia”.
Para sustentar sua tese, ele apresentou planilha com registros de descarte
exagerado do Hemocentro de Brasília. Seja como for, só uma apuração aprofundada
poderá determinar se todo esse desperdício de sangue é o sintoma mais evidente
da existência de uma nova máfia no sector ou apenas resultado do descaso e da
incompetência.
Fonte:
ISTOÉ
13 Comentários
Camila
Vieira · São Paulo
Ridículo.
Já é difícil conseguir doadores, e eles estão pouco se lixando. Uma falta de
respeito, dai falta doador, os bancos de sangue precisando de doadores e vem
com campanhas de incentivo. È um descaso imenso.
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· 9 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 17:02
André
Rangel · UNIEURO - AGUAS CLARAS
absurdo!!!!
Pra mim que sou doador de sangue é lastimável! Pena!!!
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· 4 · Curtir · Seguir publicação · Quinta às 22:41
Hérico
Almeida · Quem mais comentou · UFPE
Ai
o puto do Humberto ainda quer ser prefeito!
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· 3 · Curtir · Seguir publicação · Quinta às 14:08
Vanessa
Rüecker · Assinar · Trabalha na empresa Tokio Marine
Fazemos
nossa parte, ajudamos quem precisa e quem sabe um dia seja um de nós que
precise... E o governo tá nem ai! Brasil um país de todos? ¬_¬
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· 1 · Curtir · Seguir publicação · há 6 horas
Renata
Paiva · Estagiária de Relações Públicas na empresa Mind up
Descuido
com o sangue Brasileiro.
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· 1 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 17:11
Claudia
Costa
Absurdo
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· Curtir · Quarta às 17:27
Thiago
Dantas
120$
OBAMIS!!! to vendendo o meu!!!
Responder
· 1 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 18:28
Daiane
Ferreira Muñoz · Trabalha na empresa Ericsson
que
absurdo! Que país é esse?
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· 1 · Curtir · Seguir publicação · Quarta às 17:10
Nathan
Faria
é
a porra do brasil :S
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· Curtir · Quinta às 02:19
Tiago
Rodrigues · Assinar · Faculdade 7 de Setembro - FA7
Lamentável
--"
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· Curtir · Seguir publicação · há 20 horas
Felícia
Lisboa
Será
que meu sangue foi para o lixo.
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· Curtir · Seguir publicação · Quarta às 18:10
Rogério
Strapazzon
Foi.
Idependente de ter ido... (doar teu sangue para uma sociedade assim já é
jogá-lo no lixo!)
Responder
· Curtir · Quinta às 00:08
Felícia
Lisboa
Nossa
isso foi de doer.Doo sangue com tanto amor a cada 90 dias.
Responder
· 1 · Curtir · Quinta às 00:20
Rogério
Strapazzon
Entendo...
e se te faz bem praticar este ato de amor, continue. Mas lembre-se sempre de
entender também àqueles que não quiserem doar, pois eles também terão os
motivos deles, e talvez tenham também até razão. Beijos!
Responder
· Curtir · Quinta às 00:24
Ver
mais 1
Fatima
De Jesus Machia Dela Viola · Assinar
absurdo...
Responder
· Curtir · Seguir publicação · Quarta às 19:36
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ResponderExcluirAgradeço a colaboração de todos que desejem partilhar a suas opiniões, experiências ou ideias, quer seja na área da saúde, ou outra ciência qualquer. Blog:aveiro123-portaaberta.blogspot.com. Podem ainda aceder ao site: www.adasca.pt