Custos no SNS
Factura virtual na saúde: mais
transparência ou "medida perigosa"
O ministério, seguindo uma prática comum
em outros países europeus, quer que cada utente passe a saber quanto custa cada
utilização do Serviço Nacional de Saúde.
Um doente que vá às urgências de um
hospital central paga 20 euros de taxa moderadora. Qual é o interesse de lhe
dar a conhecer que a sua ida custou ao Estado sete vezes o que o que pagou (147
euros), ainda mais se estiver isento de pagamento? O Ministério da Saúde quer
que uma factura virtual passe a ser entregue ao utente na maioria dos hospitais
portugueses até ao final do ano, a bem "da transparência" e da
responsabilização individual. Mas há quem ache "a medida perigosa".
O Hospital de Aveiro (integrado no
Centro Hospitalar do Baixo Vouga) decidiu avançar por sua conta e risco. Há
cerca de um ano, os utentes que vão às urgências e consultas recebem um recibo
informando-os de quanto têm que pagar pelo acto clínico e quanto é que este
custou, em média, ao hospital. O presidente do conselho de administração do
centro hospitalar, José Afonso, herdou a medida dos seus antecessores mas é seu
grande defensor.
"As pessoas ouvem falar em milhões
gastos na saúde e não sabem a correspondência." Não lhe parece bom
argumento dizer que "o cidadão não tem que saber, porque não
percebe". Na sua opinião, "esta é uma boa prática" que deve ser
alargada, tanto que não lhe choca que "um doente que esteve dez dias em
coma" saiba quanto custou ao Estado, que um doente com cancro ou infectado
com VIH conheça o custo elevado dos seus tratamentos.
As queixas que os funcionários
administrativos ouvem são sobre o aumento das taxas moderadoras (Foto: Adriano
Miranda)
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Segundo a Autoridade Central do Sistema
de Saúde (ACSS), organismo do Ministério da Saúde que vai aplicar a medida, a
ideia é que ela seja alargada primeiro às urgências, depois a consultas, exames
e análises e, mais tarde, ao internamento. E diz-se que está em estudo passar
aos fármacos hospitalares, aos comparticipados e vendidos nas farmácias e ao
transporte de doentes. Traça-se um limite: nos doentes falecidos nas unidades
de saúde não haverá emissão de recibo de custos.
No início do mês passado, foi a vez de
as urgências do Hospital de São José, em Lisboa, se tornarem oficialmente na
primeira experiência-piloto do que ACSS designa como "informação de custos
dos cuidados de saúde". A intenção é alargá-la até ao final do ano a 80%
dos hospitais públicos (aqueles que têm um sistema informático comum).
A ideia da factura virtual está no
programa do Governo, mas é defendida também pelo PS. Nos países nórdicos, é
prática a entrega da chamada "factura-sombra". Em Espanha, o Governo
comprometeu-se a concretizar a "factura sanitária informativa".
Adalberto Fernandes, professor da Escola
Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, preferia que a medida
se designasse "extracto de benefícios" em vez de factura. Lembra que
as seguradoras já enviam ao utente o custo total e a quota-parte que cabe ao
doente. Ora, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) "é um seguro público para o
qual todos contribuem. Sou defensor do SNS, também sou acérrimo defensor da
responsabilização". Diz que a medida "é amiga da transparência".
O bastonário da Ordem dos Médicos, José
Manuel Silva, diz que "as pessoas dão pouco valor ao que
desconhecem". No início, admite, "talvez se assustem, mas depois
percebem". O responsável vê a medida sobretudo como tendente a uma maior
organização do sistema.
Mas a ACSS esclarece que o que o cidadão
vai passar a conhecer são "os custos médios" e não os custos reais.
Nesse sentido, a iniciativa "é uma oportunidade perdida", defende
Pedro Lopes Ferreira, docente da Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra e coordenador do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Conhecer
os custos reais permitiria perceber que um mesmo acto custa um valor diferente
em diferentes hospitais, o que se relaciona com os preços desiguais com que se
adquirem serviços e bens, "com opções de gestão". "Seria uma
oportunidade para melhorar o sistema", para saber que hospitais gerem
melhor os dinheiros públicos.
Feita a ressalva, diz que há uma forma
de olhar para a medida com "óculos cor-de-rosa" e com "óculos
cinzentos". No primeiro caso, a factura virá dar ao cidadão
"consciência do que se gasta com ele". Mas, tendo em conta os tempos
que correm, tende a olhar para a medida de forma mais negativa: "Pode ser
perigosa", diz Pedro Lopes Ferreira. Esta factura, receia o docente da
Nova, pode ser "um preâmbulo para situações mais problemáticas", de
"começar a cortar nos serviços de saúde" e criar escalões de cuidados.
Fonte: Jornal “Público”
02.09.2012 - 09:17 Por Catarina Gomes
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