11.21.2010

CURA DO EGOÍSMO, RAZÃO DA LEI DO SACRIFÍCIO

CURA DO EGOÍSMO,  RAZÃO DA LEI DO SACRIFÍCIO

Nem todas as tendências dentro de nós são boas, de forma a poderem levar-nos a excessos. As três básicas dentro de nós dizem respeito ao espírito, ao corpo e às coisas. O instinto que pede aumento de conhecimento pode transformar-se em orgulho e a liberdade em licença. O instinto da carne e da propagação pode transformar-se em sensualidade invulgar. O instinto, ávido de posse, pode vir a ser avareza e exagero de guia. Se deixarmos à solta estes ímpetos, sem disciplina, serão como o potro por treinar ou o cão que não foi habituado à casa.
Há ainda outra razão para disciplina: é que existe em nós uma dupla lei da gravidade: uma a lei espiritual impele-nos para Deus, nosso Criador; a outra, resultado da herança do pecado, e a lei que nos empurra para baixo, para a Matéria. Todas as pessoas se transformam, de acordo com o que amam. Se a criatura ama o espírito, espiritualiza-se. Se ama a carne. materializa-se. As duas leis da gravitação podem ser comparadas a uma encosta. Se o homem sobe por meio do seu esforço e autodomínio, obedece à primeira lei. A segunda é o precipício, onde se cai fatalmente sem energias defensivas.
No egoísmo, o ego é centro de tensão, preocupação e satisfação, enquanto que aos outros se oferece a circunferência. De forma a podermos desenraizar o eu, e colocá-lo na circunferência, de forma a levarmos uma vida consagrada toda ao sacrifício, os outros têm de ser localizados no centro. Para isto, porém, é necessário domesticar os impulsos errantes, matar em nós toda a tendência para o que é baixo, por vezes disciplinar até as mais legítimas satisfações. A vida pode então atingir um ponto em que, em vez de serem os outros o centro, é Deus que começa a sê-lo. Nesta altura, o ser humano começa a ser utilizado pelo Omnipotente como instrumento Seu. Assim como um lápis escreve o que for que a pessoa dita, assim a pessoa inteiramente consagrada a Deus é instrumento do poder divino. Se o lápis voltasse contra a mão que o segura, a sua eficácia correria perigo. As obras máximas na terra são executadas por aqueles que totalmente se entregaram à vontade de Deus, em sacrifício absoluto, de forma que nos seus pensamentos, palavras e acções só poder divino se manifesta.
O desejo de erguer-se a alguma coisa de superior acaba por dar a morte a tudo que é inferior. Se as cordas de um violino pudessem ser conscientes, no momento em que o violinista as repuxa, gritariam de dor e agonia em protesto vibrante. Então o violinista teria de lhes assegurar que só submetendo-as a esta disciplina momentânea poderiam executar as mais belas melodias escondidas dentro delas. Se a um bloco de mármore fosse concedida consciência, gritaria de angústia ao ver aproximar-se o escultor com martelo e cinzel. Escondida dentro de cada bloco de mármore existe uma imagem, mas, precisamente como é impossível fazer surgir essa imagem sem retalhar, matar e sacrificar, assim é impossível ver aparecer a Divina Imagem, oculta em cada um de nós, sem ser à custa de cortes e mortificações. Tal como uma árvore dá melhor fruto depois de podada, assim a criatura produz mais e melhor se nela vier esculpir-se a cruz. O solo no Outono e no Inverno fica coberto de folhas podres, hastes e raízes, mas tudo isto produz o que é conhecido como húmus, ou antes matéria que vivifica a terra. Graças a esta morte, salpicando o chão, novas folhas, novas raízes, novas hastes surgem, cada vez em maior abundância. Como Francisco Thompson disse:
«Nada começa e nada acaba
Sem seu preço de sofrimento.
Todos nós nascemos da dor alheia,
E morremos na angústia só nossa».
Pode bem ser que o comunismo seja a morte ou o adubo ou a fecundação neste inverno de tristeza, de forma a poder surgir a primavera de uma civilização melhor. Muita gente vive abaixo do normal; se soubessem, se fossem assaz fortes para viver segundo a lei do sacrifício, começariam a exercer um autodomínio e, tornando-se senhores, capitães do próprio destino, achariam aquela paz que ultrapassa todo o entendimento. A lei do carácter exige que, se não tivermos uma Sexta-Feira Santa nas nossas vidas, nunca celebraremos o Domingo de Páscoa; sem a coroa de espinhos não pode haver halo de luz; sem corpo mortificado, não haverá corpo glorioso.
A tragédia do nosso tempo é o divórcio, visível em todas as suas obras e pompas. O maior divórcio é o que existe entre Cristo e a Cruz. O mundo ocidental divorciou Cristo da Cruz, e o comunismo pegou na cruz. Tem agora a cruz sem o Cristo.
Porque o cristianismo ocidental aceitou Cristo sem a cruz, pôs em equação o cristianismo com a doçura.
Não deseja ver as mãos trespassadas de chagas, pregando o sacrifício; só quer ver as mãos liriais, cor de neve, de um Mestre. Como Bernard Shaw disse um dia: «A cruz vista ao crepúsculo, barra o caminho». Shaw tinha razão: Barra o caminho. Veda o caminho à guerra, ao egoísmo e à crueldade. O nosso cristianismo ocidental deseja um sofá, e não uma cruz; um soporífico, não um desafio; enfim, deseja um cristianismo sem lágrimas. Trata-se pois de uma religião que não acorda oposições, porque não pode sentir-se hostilidade contra uma actínea ou contra uma cobertura de penas. Tão diluído anda este cristianismo, que é fácil fazer um pouco de Freud, um pouco de filosofia, salpicando a boa camaradagem com o sal do espírito de Kiwanis (1).
Um Cristo sem a cruz é cristianismo sem sacrifício e sem autodisciplina; é romantismo, sentimentalismo, uma mão-cheia de sensaborias com fraca resistência para o mal, absolutamente desprovidas daquela indignação moral, que pega no azorrague e expulsa compradores e vendedores dos templos. Não admira que na torrente de uma falsa amplitude de visão, o mundo ocidental tenha identificado Cristo com Buda, pois Buda também não conhecia os feitos da cruz.
Quando o cristianismo ocidental divorciou Cristo da cruz, o cristianismo recolheu a cruz, mas rejeitou o Cristo. A cruz sem Cristo não passa de um sinal de contradição, um perfeito símbolo da filosofia da dialéctica, própria para a luta de classes, tese e antítese, guerra e discórdia.
Os nazistas tinham já negado a cruz e construíram uma cruz dupla. Apoderando-se da cruz sem Cristo, os comunistas já não podem pregar o sacrifício, porque sacrifício é impossível sem amor. Possuindo só ódio nos corações, a cruz transforma-se em violência; a violência toma a forma de perseguição, exílio, Sibéria, amolecimento de cérebros, assassinato, subterrâneos do Kremlin, armadilhas da Polícia Secreta, guerra e quintas-colunas. Em todo o caso instalaram no mundo, por eles conquistado, a renúncia, não em nome do amor mas por causa de um estado totalitário. Um dia, um capitão chinês disse a um missionário prisioneiro, que lhe lembrava que ele não tinha comido ainda e eram cinco horas: «Não quero comer o arroz do povo, até ter feito o trabalho do povo». Há alguma coisa de admirável nesta entrega tão abnegada a uma causa, mas que termina na frustração: a cruz sem Cristo não passa de uma barra vertical - a vida - cortada pela barra horizontal- a morte.
De um ponto de vista religioso, não se pode admitir nem o cristianismo sentimental ocidental nem o comunismo. O problema é este: encontrará Cristo a Sua cruz ou encontrará a cruz o Cristo? Logo que o mundo renuncia ao sacrifício da imolação e da disciplina, descobre que sacrifício e imolação voltam de novo debaixo de outro nome, isto é, voltam por meio da violência e do ódio dos comunistas. Se o nosso mundo ocidental recuperasse a autodisciplina no lar, ou seja a integridade na vida da família, na educação e na vida pessoal, prepararia a paz, que só pode ser alcançada por meio da guerra.
A paz não é alguma coisa que nos seja dada; a paz é alguma coisa que nós fabricamos. Bem-aventurados os pacíficos. A paz é o produto da guerra - guerra não contra os outros, mas contra o pecado, o egoísmo e o egotismo; o salário da guerra é a cruz, não a que luta cá fora como a espada de S. Pedro, que corta as orelhas dos outros, mas uma espada virada para dentro, para cortar o egoísmo que destrói a fraternidade humana com um único pai e a Redenção por meio de Seu divino Filho. Deus odeia a paz naqueles que destinou para a guerra, e nós todos estamos destinados à guerra contra tudo o que é vil e podre em nós mesmo.

(1): Associação Internacional de Clubes de Homens de Negócios organizada em Detroit em 1915 com o fim de difundir os princípios de hostilidade comercial, boa camaradagem, etc.




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