Entrevista
ao Presidente do Núcleo de Dadores de Ponte Sor
Entrevista
conduzida por Joaquim Carlos (*)
António Pedro Martins, Presidente do
Núcleo de Dadores de Ponte Sor
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Doravante
a identificação das perguntas e respostas, segue com siglas: P e R.
Pergunta:
Apresente-se aos nossos leitores.
Resposta: Entendo não ser muito correcto falar sobre a minha
pessoa, pois penso que essa vertente caberá aos outros que não eu. Contudo
direi que me encontro na situação de aposentado, com 67 anos de idade, e com
que algum orgulho sou “alentejano”. Desde muito novo que senti grande apetência
para o voluntariado. Sempre gostei de ajudar quem precisasse e por via disso
ofereci durante a minha vida muita disponibilidade para com o próximo.
P: Recorda-se
quando fez a primeira dádiva de sangue e que idade tinha.
R:
Lembro perfeitamente, foi no serviço militar, nas Caldas da Rainha, no RI5,
quando me encontrava a fazer a recruta. Foi no ano de 1967 e tinha 21 anos. Foi
então feito um apelo para a doação para o Instituto de Oncologia de Lisboa.
Recordo que num universo de 600 recrutas apenas cerca de 30 deram sangue.
P: Como
decorreu essa experiência? à quem diga que é doloroso?
R: Foi gratificante. Senti pela primeira vez uma enorme sensação de ter
cumprido um dever de cidadania e uma alegria interior muito grande, pois,
eventualmente, com aquele gesto poderia estar a ajudar uma vida a não se
perder. Não me recordo de sentir dor. Uma simples picadela.
P: Ao que nos é
dado saber, viveu a experiencia de doar sangue directamente a uma doente. Como
decorreu esse processo?
R: Foi uma experiência inesquecível. Duas macas lado a lado e um sistema
de bombagem pelo meio. Numa o dador e na outra o receptor lutando pela vida que
lhe estava a querer fugir. Devo dizer que o pedido surgiu, com caracter de
urgência, nos altifalantes do quartel do GACA 2 em Torres Novas e condicionado
ao Grupo Sanguíneo 0 RH negativo. Corri para a portaria e com outro
companheiro, por sinal do Norte, de nome Laundos, de Argivai, Póvoa do Varzim,
lá fomos correndo para a Clinica, que ficava a uns escassos duzentos, trezentos
metros do quartel. E assim em apenas pouco mais de quinze minutos estava a
passar por uma experiência extraordinária que jamais esquecerei. De um lado
estava eu e do outro lado uma criança que tinha acabado de ser operada e
perdera bastante sangue, a qual lutava para não perder a vida. A sensação, na
oportunidade, sentida é indescritível. Devo dizer que não aceitamos qualquer
gratificação, a não ser um grande abraço muito reconhecido dos pais da criança.
E mais nem sequer aceitei os dez dias de férias que o RDM previa.
P: Que
benefício recebeu em troca daquele gesto solidário?
R: A grande alegria reconfortante de ter ajudado alguém a recuperar a
vida.
P: Os tropas
naquele tempo gozavam de uma licença de 10 dias. Beneficiou dessa mais-valia
como reconhecimento público pelo seu gesto?
R: Não. Rejeitei.
P: Há quantos
anos existe o Núcleo de Dadores de Sangue de Ponte de Sor?
R: O Núcleo de Dadores de Sangue de Ponte de Sor existe como Secção
Autónoma da Associação de Cicloturismo e Cultural de Ponte de Sor, da qual fui
fundador em 1986.
P: Como surgiu
a ideia de formar o Núcleo? Foi por força de alguma situação de doença grave de
alguém conhecido?
R: O Núcleo surgiu a partir de uma conversa informal no Hospital de
Abrantes, onde me havia deslocado a dar sangue para uma pessoa de Ponte de Sor.
P: Recebem
subsídios do IPST à semelhança de outras organizações que promovem colheitas de
sangue?
R: Não. Desde de 2006 que nada recebemos. E na ocasião contestámos a
forma de candidaturas exigidas.
P: Se não
recebem subsídios como é possível desenvolver as vossas actividades? Quem
suporta as despesas?
R: Não é tarefa fácil. Até Dezembro de 2011 a Câmara Municipal dava-nos
um subsídio mensal de cinquenta euros. O qual, devido à crise instalada no
país, nos foi cortado a partir de Janeiro de 2012. Como o rigor nos gastos, que
sempre foi a palavra de ordem, conseguimos ter uma pequena reserva que nos tem
ajudado a manter o telefone apenas para receber chamadas e pouco mais. Não
temos sistema informático instalado e assim a base de dados dos dadores é feita
em fichas de papel. Até a fotocopiadora está avariada já lá vão quatro ou cinco
anos e assim irá continuar. Mas em relação às fotocópias, em boa verdade se
diga, a Câmara Municipal faculta-nos a tiragem das que necessitamos
gratuitamente e com a maior das disponibilidades. Também nos cede uma divisão
num edifício de uma antiga escola primária. Onde funciona a nossa sede.
Por
outro lado não fazemos almoços de aniversário, nem sequer enviamos cartões de
Boas-Festas. Nas colheitas sempre temos dado um pequeno brinde aos dadores, o
qual tem sido suportado pela Junta de Freguesia de Ponte de Sor. As deslocações
quando necessárias são feitas a nossas expensas. Utilizamos o nosso telemóvel e
o nosso computador portátil, para as situações indispensáveis e também por
nossa conta. Enfim vamos sobrevivendo com muitas dificuldades. Mas não
desistimos. Os doentes justificam esta nossa postura.
P: O vosso
Núcleo encontra-se filiado em alguma das duas federações de dadores de sangue?
R: Mantivemos contactos com a FAS, mas não nos consideramos federados.
P: Na sua
opinião como vê as mudanças que têm ocorrido no IPST?
R:
Para pior, uma vez que secundarizam os dadores. Veja-se a questão da isenção
das taxas moderadoras. É apenas um exemplo.
P: Recentemente
decidiram suspender as colheitas de sangue agendadas para o 1º. Semestre de
2013. Quais as razões que os motivaram a tomar uma decisão tão radical se é que
a podemos considerar assim?
R: Não estamos contra os doentes que necessitam de sangue, nem tão pouco
dizemos a qualquer dador para não dar sangue, antes pelo contrário. A nossa
posição foi de total repúdio pela rejeição da petição das associações e dos
dadores que pedia a reposição plena da isenção das taxas moderadoras. Em suma a
posição tomada é tão-somente contra a Lei actualmente em vigor, a qual
continuamos a defender que terá que ser alterada sob pena de muitos dadores
começarem a sentir desmotivação para a dádiva de sangue. E as colheitas poderem
correr o risco de diminuírem de forma preocupante. Esperemos para ver.
P: Como tem
gerido as reacções de desagrado pela vossa decisão?
R: Não as tenho sentido e estou de consciência tranquila. Pois tenho uma
rectaguarda de mais de trinta anos em prol da dádiva e em voluntariado.
P: Não receiam
que sejam vistos como “inimigos” dos doentes por cancelarem as colheitas de
sangue, apesar do chumbo da reposição das taxas moderadoras nos hospitais?
R: Não. Pelo simples facto de posição tomada não ser contra os doentes,
estes continuam a ser nossa preocupação. A derradeira posição tomada foi, como
já referimos, pelo chumbo da petição. E no 2º semestre do corrente ano
retomaremos a nossa rotina normal. Foi apenas nosso objectivo demonstrar
publicamente o desagrado pela forma como este governo está a tratar os dadores
retirando-lhes a dignidade que lhes assiste.
P: Quantas
brigadas realizam por mês?
R: Uma
P: O António
ainda continua a doar sangue ou já passou para o estatuto de ex-dador?
R:
Já passei ao estatuto de ex-dador. Mas doei sangue cerca de quarenta anos
P: Que mensagem
quer transmitir aos nossos leitores, em particular para os que ainda são
dadores de sangue?
R: Continuem a doar o vosso sangue com a generosidade que é apanágio
humanista dos grandes HOMENS que são os dadores. Dando sem olhar a quem, isto
porque entre a vida e a morte o sangue poderá representar a vida.
(*Jornalista)
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