2.07.2013

Entrevista ao Presidente do Núcleo de Dadores de Ponte Sor


Entrevista ao Presidente do Núcleo de Dadores de Ponte Sor

Entrevista conduzida por Joaquim Carlos (*)

António Pedro Martins, Presidente do
Núcleo de Dadores de Ponte Sor
Na sequência da decisão que o Núcleo de Dadores de Sangue de Ponte Sor tomou no mês de Janeiro, em recorrer à suspensão por um período de tempo a realização das Colheitas de Sangue que estavam agendadas, com forma de protesto pelo chumbo da reposição das taxas moderadoras aos dadores nos hospitais, recorde-se que o PSD e CDS foram os únicos que votaram contra, achei por bem conduzir uma entrevista ao seu Fundador e Presidente da Direcção, por forma a dar a conhecer da sua justiça.
Doravante a identificação das perguntas e respostas, segue com siglas: P e R.


Pergunta: Apresente-se aos nossos leitores.
Resposta: Entendo não ser muito correcto falar sobre a minha pessoa, pois penso que essa vertente caberá aos outros que não eu. Contudo direi que me encontro na situação de aposentado, com 67 anos de idade, e com que algum orgulho sou “alentejano”. Desde muito novo que senti grande apetência para o voluntariado. Sempre gostei de ajudar quem precisasse e por via disso ofereci durante a minha vida muita disponibilidade para com o próximo. 
P: Recorda-se quando fez a primeira dádiva de sangue e que idade tinha.
R: Lembro perfeitamente, foi no serviço militar, nas Caldas da Rainha, no RI5, quando me encontrava a fazer a recruta. Foi no ano de 1967 e tinha 21 anos. Foi então feito um apelo para a doação para o Instituto de Oncologia de Lisboa. Recordo que num universo de 600 recrutas apenas cerca de 30 deram sangue.
P: Como decorreu essa experiência? à quem diga que é doloroso?
R: Foi gratificante. Senti pela primeira vez uma enorme sensação de ter cumprido um dever de cidadania e uma alegria interior muito grande, pois, eventualmente, com aquele gesto poderia estar a ajudar uma vida a não se perder. Não me recordo de sentir dor. Uma simples picadela.
P: Ao que nos é dado saber, viveu a experiencia de doar sangue directamente a uma doente. Como decorreu esse processo?
R: Foi uma experiência inesquecível. Duas macas lado a lado e um sistema de bombagem pelo meio. Numa o dador e na outra o receptor lutando pela vida que lhe estava a querer fugir. Devo dizer que o pedido surgiu, com caracter de urgência, nos altifalantes do quartel do GACA 2 em Torres Novas e condicionado ao Grupo Sanguíneo 0 RH negativo. Corri para a portaria e com outro companheiro, por sinal do Norte, de nome Laundos, de Argivai, Póvoa do Varzim, lá fomos correndo para a Clinica, que ficava a uns escassos duzentos, trezentos metros do quartel. E assim em apenas pouco mais de quinze minutos estava a passar por uma experiência extraordinária que jamais esquecerei. De um lado estava eu e do outro lado uma criança que tinha acabado de ser operada e perdera bastante sangue, a qual lutava para não perder a vida. A sensação, na oportunidade, sentida é indescritível. Devo dizer que não aceitamos qualquer gratificação, a não ser um grande abraço muito reconhecido dos pais da criança. E mais nem sequer aceitei os dez dias de férias que o RDM previa.    
P: Que benefício recebeu em troca daquele gesto solidário?
R: A grande alegria reconfortante de ter ajudado alguém a recuperar a vida.
P: Os tropas naquele tempo gozavam de uma licença de 10 dias. Beneficiou dessa mais-valia como reconhecimento público pelo seu gesto?
R: Não. Rejeitei.
P: Há quantos anos existe o Núcleo de Dadores de Sangue de Ponte de Sor?
R: O Núcleo de Dadores de Sangue de Ponte de Sor existe como Secção Autónoma da Associação de Cicloturismo e Cultural de Ponte de Sor, da qual fui fundador em 1986.
P: Como surgiu a ideia de formar o Núcleo? Foi por força de alguma situação de doença grave de alguém conhecido?
R: O Núcleo surgiu a partir de uma conversa informal no Hospital de Abrantes, onde me havia deslocado a dar sangue para uma pessoa de Ponte de Sor.
P: Recebem subsídios do IPST à semelhança de outras organizações que promovem colheitas de sangue?
R: Não. Desde de 2006 que nada recebemos. E na ocasião contestámos a forma de candidaturas exigidas.
P: Se não recebem subsídios como é possível desenvolver as vossas actividades? Quem suporta as despesas?
R: Não é tarefa fácil. Até Dezembro de 2011 a Câmara Municipal dava-nos um subsídio mensal de cinquenta euros. O qual, devido à crise instalada no país, nos foi cortado a partir de Janeiro de 2012. Como o rigor nos gastos, que sempre foi a palavra de ordem, conseguimos ter uma pequena reserva que nos tem ajudado a manter o telefone apenas para receber chamadas e pouco mais. Não temos sistema informático instalado e assim a base de dados dos dadores é feita em fichas de papel. Até a fotocopiadora está avariada já lá vão quatro ou cinco anos e assim irá continuar. Mas em relação às fotocópias, em boa verdade se diga, a Câmara Municipal faculta-nos a tiragem das que necessitamos gratuitamente e com a maior das disponibilidades. Também nos cede uma divisão num edifício de uma antiga escola primária. Onde funciona a nossa sede.
Por outro lado não fazemos almoços de aniversário, nem sequer enviamos cartões de Boas-Festas. Nas colheitas sempre temos dado um pequeno brinde aos dadores, o qual tem sido suportado pela Junta de Freguesia de Ponte de Sor. As deslocações quando necessárias são feitas a nossas expensas. Utilizamos o nosso telemóvel e o nosso computador portátil, para as situações indispensáveis e também por nossa conta. Enfim vamos sobrevivendo com muitas dificuldades. Mas não desistimos. Os doentes justificam esta nossa postura.
P: O vosso Núcleo encontra-se filiado em alguma das duas federações de dadores de sangue?
R: Mantivemos contactos com a FAS, mas não nos consideramos federados.
P: Na sua opinião como vê as mudanças que têm ocorrido no IPST?
R: Para pior, uma vez que secundarizam os dadores. Veja-se a questão da isenção das taxas moderadoras. É apenas um exemplo.
P: Recentemente decidiram suspender as colheitas de sangue agendadas para o 1º. Semestre de 2013. Quais as razões que os motivaram a tomar uma decisão tão radical se é que a podemos considerar assim?
R: Não estamos contra os doentes que necessitam de sangue, nem tão pouco dizemos a qualquer dador para não dar sangue, antes pelo contrário. A nossa posição foi de total repúdio pela rejeição da petição das associações e dos dadores que pedia a reposição plena da isenção das taxas moderadoras. Em suma a posição tomada é tão-somente contra a Lei actualmente em vigor, a qual continuamos a defender que terá que ser alterada sob pena de muitos dadores começarem a sentir desmotivação para a dádiva de sangue. E as colheitas poderem correr o risco de diminuírem de forma preocupante. Esperemos para ver.
P: Como tem gerido as reacções de desagrado pela vossa decisão?
R: Não as tenho sentido e estou de consciência tranquila. Pois tenho uma rectaguarda de mais de trinta anos em prol da dádiva e em voluntariado.
P: Não receiam que sejam vistos como “inimigos” dos doentes por cancelarem as colheitas de sangue, apesar do chumbo da reposição das taxas moderadoras nos hospitais?
R: Não. Pelo simples facto de posição tomada não ser contra os doentes, estes continuam a ser nossa preocupação. A derradeira posição tomada foi, como já referimos, pelo chumbo da petição. E no 2º semestre do corrente ano retomaremos a nossa rotina normal. Foi apenas nosso objectivo demonstrar publicamente o desagrado pela forma como este governo está a tratar os dadores retirando-lhes a dignidade que lhes assiste.
P: Quantas brigadas realizam por mês?
R: Uma
P: O António ainda continua a doar sangue ou já passou para o estatuto de ex-dador?
R: Já passei ao estatuto de ex-dador. Mas doei sangue cerca de quarenta anos
P: Que mensagem quer transmitir aos nossos leitores, em particular para os que ainda são dadores de sangue?
R: Continuem a doar o vosso sangue com a generosidade que é apanágio humanista dos grandes HOMENS que são os dadores. Dando sem olhar a quem, isto porque entre a vida e a morte o sangue poderá representar a vida.

 (*Jornalista)

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