SAÚDE
Arriscar a
vida em nome da fé
Há
vários cultos e religiões que recusam cuidados médicos. Em Portugal são
sobretudo as Testemunhas de Jeová que mais problemas colocam aos clínicos ao
recusarem transfusões de sangue. Já a Igreja da Cientologia proíbe certos
medicamentos.
O
caso da norte-americana que fugiu com o filho de 13 anos para que ele não fosse
submetido a sessões de quimioterapia por causa da sua religião chocou a América
e levou à detenção da mãe. Em Portugal são sobretudo as Testemunhas de Jeová,
que recusam transfusões de sangue, que mais problemas levantam aos médicos. Há
até casos de hospitais que recorrem ao tribunal para ficarem com a guarda das
crianças para que os menores possam receber sangue em caso de necessidade.
São
várias as religiões ou seitas no mundo que proíbem certas terapias e cuidados
médicos em Portugal, os clínicos falam sobretudo de problemas no tratamento das
Testemunhas de Jeová e também dos membros da Igreja da Cientologia, que terá no
País cerca de oito mil crentes.
As
Testemunhas de Jeová recusam receber sangue. Por causa desta posição firme, o
cirurgião cardiotorácico José Fragata, do Hospital de Santa Marta, em Lisboa,
já pediu em tribunal a guarda de várias crianças. "Os pais não se podem
opor à cirurgia, mas vivem um conflito interior: por um lado, não querem que
haja transfusão e sangue, mas também querem ver os filhos tratados", conta
o médico. Por isso, explica "o que se faz nestes casos, e sem violência, é
pedir a tutela da criança até ao final do tratamento".
João
(nome fictício) viu-lhe ser diagnosticada uma cirrose quando tinha apenas 11
anos. Aos 36, já bastante debilitado, teve de se submeter a um transplante de
fígado, no Hospital da Universidade de Coimbra. Mas enquanto Testemunha de
Jeová aceitou fazê-lo apenas com a promessa por parte do médico de que não
receberia uma transfusão, mesmo que a sua vida estivesse em risco.
"O
sangue que corre em cada um de nós é único, e como diz a Bíblia, é fonte de
vida", explica Pedro Candeias, porta-voz da confissão em Portugal, que
defende que o sangue uma vez fora da circulação, deve ser eliminado.
Há
cinco anos, António (nome fictício), de 65, teve de ser operado por causa de um
problema coronário, no Hospital da Cruz Vermelha, unidade onde já foram
operadas centenas de Testemunhas. Apesar das complicações médicas, não levou
sangue e sobreviveu.
Mas
nem sempre é assim. Há pessoas que morrem porque os médicos assumem a vontade
do doente e, não administram a transfusão de sangue. Outros há que se recusam a
operá-los. As Testemunhas de Jeová queixam-se, contudo, de às vezes os clínicos
não estudarem todas as possibilidades.
"Felizmente
já existem fórmulas de contornar a transfusão, diminuindo os riscos de vida.
Alternativas como dispositivos que limitam a perda sanguínea ou expansores de
volume do sangue", defende Pedro Candeias, indicando que anda no porta-moedas
com um documento onde deixa clara a sua recusa, para o caso de precisar de
cuidados médicos e estar inconsciente.
Por
causa das dificuldades que têm em ser atendidos e tratados, as Testemunhas
criaram uma rede de Comissões de Ligação Hospitalar. "Falamos com médicos,
explicamos as nossas convicções, e cerca de um milhar já respeitam esta nossa
objecção de consciência". Os Hospitais de S. João, no Porto, Santa Marta e
Cruz Vermelha, em Lisboa, e Santa Cruz, em Carnaxide, são os centros
hospitalares onde os membros desta congregação recorrem habitualmente.
O
médico José Fragata é um dos cirurgiões a quem frequentemente pedem ajuda.
Chega a receber 15 Testemunhas por ano. Conhecido por fazer cirurgias sem
sangue, ou seja, sem transfusões, o clínico explica, no entanto, que hoje em
dia, na maioria dos casos, o sangue perdido já não justifica uma transfusão,
seja a Testemunhas de Jeová ou qualquer outra pessoa.
Por
outro lado, garante que nunca actuou contra a sua ética profissional.
Estabelece um compromisso bilateral com o doente de que tudo fará para que ele
não receba sangue, mas deixa a salvaguarda de que se a vida dele correr riscos
será transfundido. "Tenho dificuldade em deixar morrer um paciente por
falta de sangue, e quando isso acontece tentamos que a família não veja e só
informamos o paciente se ele perguntar". Mas há casos em que a equipa
médica foi processada pelo doente que levou uma transfusão de sangue sem ter
dado autorização.
A
Igreja da Cientologia, fundada nos anos 50 nos Estados Unidos e que surgiu em
1986 em Portugal, também coloca restrições aos tratamentos e medicamentos, mas
apenas de doenças psicológicas. Nestes casos admitem apenas a cicatrização
espiritual.
Filipe
(nome fictício), de 45 anos tomava Lorenin, um ansiolítico que lhe fora
receitado numa época em que estava com graves problemas de saúde. "Andei
completamente dependente durante mais de três anos", diz, explicando que
recuperou no programa de desintoxicação Narconon, uma filosofia difundida pela
Igreja da Cientologia.
"Assumimos
uma posição contra as drogas, uma vez que estas diminuem a consciência e
bloqueiem as capacidades, como por exemplo estupefacientes, psicotrópicos,
calmantes e anfetaminas", sublinha Elisabete Dâmaso, representante da
Igreja.
Não
admitem assim o tratamento convencional de depressões e doenças mentais.
"Uma pessoa triste ou deprimida nunca pode resolver o problema com uma
droga, porque não são doenças físicas", defende. "A Igreja da
Cientologia assume-se como o tratamento em si de problemas pessoais e de
auto-estima", resume o sociólogo Moisés Espírito Santo.
por
CATARINA CRISTÃO14 junho 2009Comentar
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