É PRECISO DESPERTAR CONSCIÊNCIAS
À
guisa de intróito começo por ler o seguinte texto: “Na primeira noite eles
aproximam-se e colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda
noite, já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos
nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos
a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não
dissemos nada já não podemos dizer nada”. (Vladimir Maiakóvski). Espero que
tenham compreendido esta transcrição.
O
movimento de repúdio pelas decisões e pelas políticas iníquas governamentais
que infligiram um ataque sem precedentes ao mundo da dádiva de sangue, deve
dizer respeito a todos, deve incomodar os mais acomodados. Quem se cala
consente assim diz o Povo. O futuro da dádiva de sangue em Portugal é uma
incógnita, e pelo que nos é dado observar nada está a ser feito para inverter o
percurso.
Há
ainda quem, estranhamente, continue calado face a esta incerteza. Muitos terão,
suponho, desistido de se manifestar. Outros, tomados pelo medo, acomodados nos
pequenos nichos de dadores que lhes vão aparecendo, ou extenuados pelo esforço
necessário para conseguir os restos que a retórica instalada denomina
“excelência”, aguarda-os a condição de nada poderem dizer por nada terem dito
quando tinham voz na garganta e não fizeram uso dela quando seu dever era
gritar bem alto. Ficaram a aguardar que acontece-se não sei bem o quê. Os
resultados do silêncio estão à vista.
Os
que ainda estrabucham e que não deixam que lhes roubem a voz da garganta mostram-nos
obviamente duas coisas.
Soltar
a voz da garganta apenas nas alturas de maior aperto não é a melhor estratégia
para defender o dador, o associativismo
e o futuro da dádiva de sangue, cujo tema nos leva a apreciar nesta 4ª.
Convenção aqui na Carapinheira.
A
outra é pior que a situação de crise, que todos temos de enfrentar, uma das
formas de matar o pensamento e o labor dos dinamizadores da dádiva de sangue,
esmagando a sua dignidade, sua dedicação, seu esforço, em prol de uma causa que
dizem defender, mas, com o decorrer do tempo as suas atitudes vs decisões
entram em contradição com os discursos sem substancia. Se só trabalhamos para a
burocracia que nos tem sido imposta pelas entidades que oficializam e
supervisionam as brigadas, não criamos, não inventamos novos métodos para
mobilizar as pessoas, quando o alheamento se instalou na sociedade
contemporânea, logo o futuro da dádiva passa a ser uma incógnita.
Há
na sociedade um direito que não se discute – é o direito de pensar. O
pensamento sem a liberdade é como a cabeça que planeia sem o braço que executa,
como a vida sem ar que alimenta, sem o espaço em que se expande, sem o tempo
que mede e a dilata, assim se expressou José Luciano de Castro no decorrer de
um congresso de jornalismo.
Todos
nós já pronunciamos vezes sem conta este lema: A UNIÃO FAZ A FORÇA E PODE FAZER
A DIFERENÇA, reparando as injustiças que tem sido praticadas contra os dadores
e contra as associações que os representam com legitimidade.
Prezados
colegas e amigos, vamos fazer os possíveis para não darmos este tempo como
perdido na medida em que, os assuntos que vão ser abordados nesta 4ª. Convenção
diz respeito a todos, não apenas a alguns. Afinal de contas somos nós
dirigentes que disponibilizamos os ouvidos e a cara, para ouvir o
descontentamento dos dadores associados em cada associação ou núcleo, esses
estão aqui a ser representados por nós, cuja responsabilidade devemos sentir na
nossa consciência, sobre os nossos ombros. Os teóricos de gabinete nem querem
saber quanto nos sacrificamos para manter os dadores nos locais de colheitas.
Esses ainda nos confundem mais, com regras, imposições e condicionalismos.
Que
possamos sentir nesta 4ª. Convenção o genuíno espírito do associativismo
respeitante ao mundo da dádiva de sangue, sair daqui sem rancores, mais compreensivos
uns para com os outros, apesar dos pontos de vista serem divergentes, motivados
a seguir em frente, na esperança de que vão ser em breve implementadas regras
justas para um reconhecimento efectivo público pela dignidade dos dadores de
sangue e suas associações.
Ninguém
se deve sentir condicionado para expor as suas dúvidas, sugestões ou problemas,
pois a realização destas Convenções, apesar de alguns desvios, servem para isso
mesmo, ainda que provoquem algum incomodo aos bem-intencionados.
Com
efeito, parece querer teimar-se em manter os dirigentes associativos na
ignorância das coisas – digo dos acontecimentos -, em querer continuar a proceder-se
como se fôssemos subdesenvolvidos mentais. Quem nos julga desta forma está
claramente equivocado, porque vamos continuar a incomodar por todos os meios
que estiverem ao nosso alcance.
O
tema desta 4ª. Convenção convida-nos a uma reflexão séria. O dador de sangue,
paga para ser solidário, esta é a verdade nua e crua. Como se isso não fosse o
suficiente é tratado como um objecto descartável, só é lembrado quando o
sistema necessita do seu precioso líquido, usando para o feito a situação de
risco de vida dos doentes para motivar à mobilização dos dadores.
Quanto
ao associativismo no campo da dádiva de sangue, estamos de costas de voltas uns
para os outros, como se de inimigos se tratássemos, quando devia ser o
contrário. Com que interesses? Estou certo que, tanto o ministro da saúde como
o IPST devem sentir-se satisfeitos com o divisionismo existente, considerando que
a união entre as associações pode tornar-se perigosa, logo à que conservar a
desunião.
Por
fim, quanto ao futuro da dádiva de sangue, está no ponto que o ministro da
saúde pretende que esteja, foi ele que contribuiu para chegarmos à presente
situação, nem sequer demonstra estar preocupado com os estragos que provocou.
Para
quem já me conhece, sabe que não sou de meios termos, não ficaria de bem com a
minha consciência, se deixasse passar em claro, e sem protesto para fazer a
seguinte declaração nesta Convenção: o actual ministro da saúde e os seus
auxiliares têm as mãos sujas de sangue solidário dos dadores, sujando-as com
esse sangue quando decidiu desrespeitar os dadores com a retirada da isenção
das taxas moderadoras nos hospitais públicos, motivado por uma visão
economicista, quando na verdade nem os dadores nem as associações dão prejuízo
ao seu ministério, nem ao IPST se analisarmos os milhões de euros que são
facturados por ano. Temos assim de pagar o que não devemos.
A
terminar coloco a seguinte observação: os dadores e as suas associações são ou não
necessários ao Serviço Nacional de Saúde? Se não somos dispensáveis, apelamos
através desta 4ª. Convenção para que seja reposta a isenção das taxas moderadas
além dos centros de saúde também nos hospitais públicos, num gesto claro de
reconhecimento público e teremos de volta os dadores que deixaram comparecer,
porque se sentiram usados, desrespeitados e ludibriados, é o que ouvimos das
suas bocas com frequência.
Joaquim
Carlos
Presidente
da Direcção da ADASCA
Aveiro,
4 de Outubro de 2014
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