SÁBADO passado, "Le Monde", considerado como um dos melhores diários do mundo, consagrava uma página a Portugal. Lembrando que o país passou em trinta anos “da pobreza ao sobreendividamento”, o jornal francês notava “a ausência de um plano global e coerente de desenvolvimento da economia, a promiscuidade entre pessoal político e chefes de empresa, a porosidade entre dinheiro público e interesses privados”.
"Le Monde" evocava a megalomania das auto-estradas. Mas poderia também, mais pertinentemente, ter frisado o desvario consumista para procurar explicar a crise actual. Ultra-consumismo que salta aos olhos de quem, vivendo no Centro-Norte da Europa, vem regularmente a Portugal desde o 25 de Abril. E que se nota logo à chegada ao aeroporto. Com homens e sobretudo mulheres trajados com os melhores requintes da moda e os inevitáveis adereços de marca caríssimos. Com montes de gente pendurada em telemóveis dos últimos modelos, em conversas espantosamente intermináveis.
Sai-se do aeroporto e o desfile de carros de grandes marcas é absolutamente assombroso. Chega-se a um comboio da linha do Norte ou da Beira Baixa e assiste-se ao incrível espectáculo exibicionista de Ipods e outros MP 3, de Iphones e Blackberrys, de computadores portáteis e, evidentemente, dos recentíssimos Ipads. Um verdadeiro desfraldar de vaidades, sem comparação alguma com a discreta modéstia que se vê na “capital da Europa”, por exemplo, num país de velha tradição industrial e com um nível de vida assaz superior.
Só que em Portugal, de há trinta anos a esta parte, assistiu-se a um total desvario consumista. Os portugueses passaram de uma sociedade pouco mais do que subdesenvolvida, onde os bens de consumo corrente eram restritos e os essenciais muitas vezes faltavam, para uma sociedade ultra-consumista que está aliás a destruir o tecido económico e social do país. Destruição patente nos centros das cidades, onde o comércio tradicional se encontra em vias de desaparecimento acelerado, com o que isso acarreta de desertificação urbana.
A ânsia consumista e a irreprimível vontade de ostentação fez também expandir uma conduta simples mas significativa : muita gente, de praticamente todos os meios sociais (com excepção dos excluídos do sistema e dos que nele reinam), deixou de tomar o pequeno almoço em casa e vai tomá-lo em pastelarias e cafés! Mas alguém pensa que nos países do Centro-Norte há tempo e dinheiro para fazer isso? A crise actual obrigará talvez os portugueses a um pouco mais de bom senso…
J.-M. Nobre-Correia
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