O Dia Nacional do Dador de Sangue que hoje é celebrado (a 27 de Março), foi instituído através da Resolução do Conselho Ministros n.º 40/86, tinha como objectivo reconhecer a importância da contribuição desinteressada dos Dadores de Sangue para o tratamento de doentes.
A institucionalização do Dia Nacional do Dador de Sangue devia constituir, assim, a expressão oficial desse reconhecimento e servir para evidenciar, junto da população em geral, o valor social e humano da dádiva de sangue, estimulando a sua prática como imprescindível, mas a realidade que hoje temos é bem diferente, pois não existe incentivo à dádiva
Embora tenha sido institucionalizado a 14 de Junho de 2005 o Dia Mundial do Dador de Sangue, em Portugal, através do Ministério da Saúde/Instituto Português do Sangue manteve-se a data 27 de Março como o Dia Nacional do Dador de Sangue, devendo ser esta data a mais relevante para reconhecer publicamente o papel imprescindível do Dador de Sangue Nacional.
Este dia é comemorado num ambiente de total desunião, de desconforto entre associações e dadores, por força do iníquo Decreto-Lei 113/2011 de 29 de Novembro que retirou em grande parte a isenção das taxas moderadoras aos dadores benevolos de sangue.
Tenho afirmado ao longo destes anos, que os dadores continuam a não ser respeitados no Serviço Nacional de Saúde, é como se tratassem de seres dispensáveis. Com o supra famigerado Decreto-Lei com uma mão tiram-nos o sangue, com a outra sacam-nos o dinheiro da carteira, obrigando-nos a pagar o que não devíamos. Não pode continuar a ser assim, tendo em conta que nunca ou raramente os dadores derem/dão prejuizo ao Ministério da Saúde, bem pelo contrário, a prova disso é que ainda ninguém do ministério da saúde veio desmentir as minhas declarações.
A quebra de dádivas deveu-se unicamente à implementação desta obrigação legislativa, não tanto por outras razões como se fez crer por via das declarações publicas, que reputamos de infelizes, onde os dadores foram classificados como “assassinos”, interesseiros, indiferentes às necessidades de sangue que se fizeram sentir, e vão continuar.
Diz o Decreto-Lei nº. 87/97 de 18 de Abril que “Para galardoar a dedicação inerente à dádiva benévola de sangue foi criada, pelo Decreto-Lei nº. 294/90 de 21 de Setembro a medalha de dador de sangue”. Para que serve este incentivo que raramente respeitado.
Continua: “O sangue é um bem imprescindível e insubtituível, cuja obtenção depende exclusivamente da dádiva voluntária e benévola”. Será isto verdade?
Mais: “O valor que esta dádiva representa para a comunidade e o mérito dos dadores, que dedicada e persistentemente ao longo de toda a uma vida contribuem de forma desinteressada e altruísta com um bem indispensável à vida daqueles que dele carecem, devem ser mais fortemente sublinhados”. Palavras sem conteúdo, de boas intenções estamos nós enjoados.
Finalmente, “Justifica-se, pois, que estes actos de inequívoco relevo e solidariedade social sejam reconhecidos ao mais alto nível da hierarquia do Ministério da Saúde”. Não me parece que o presente ministro da sáude tenha lido esta mensagem antes de impor o referido Decreto –Lei nº. 113/2011, caso contrário teria sido mais benévolo, tendo em conta que também é dador de sangue.
Entretanto, não deixa de ser interessante o que a letra da Lei nos transmite, o pior é que na prática tudo fica muito aquém se tivermos em conta o que determina a alínea n) do nº. 1 do artigo 2 do Decreto-Lei nº. 173/2003, de 1 de Agosto sobre o pagamento e isenção das taxas moderadoras, referente aos dadores de sangue. A deficiência estava sempre no cartão de dador, certo é que ninguém fez nada para alterar aquela situação.
A situação agrava-se quando no Despacho nº. 6961/2004 (2ª. Série), no parágrafo 4 diz: “É considerado documento idóneo e bastante, análogo ao previsto no nº. 5 do Decreto-Lei nº. 173/2003 de 1 de Agosto, o Cartão Nacional de Dador de Sangue, instituído pelo Ministério da Saúde versus Instituto Português do Sangue, pela Portaria nº. 790/2001 de 23 de Julho para fazer prova das situações aqui previstas”.
Com a alteração legal na Isenção das Taxas Moderadoras para Dadores de Sangue e, consequentemente com a publicação do Decreto-Lei N.º 113/2011, de 29 de Novembro, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2012, que regula o acesso às prestações do Serviço Nacional de Saúde (SNS) por parte dos utentes no que respeita ao regime das taxas moderadoras e à aplicação de regimes especiais de benefícios, tendo revogado os normativos anteriores que regulavam esta matéria, a ausência dos dadores aos locais de colheitas traduziu-se numa redução brutal e preocupante, tanto que os apelos foram insistentes à dádiva de sangue, situação que podia ser evitada.
A legislação agora em vigor prevê, no artigo 4.º, a isenção do pagamento de taxas moderadoras para os Dadores Benévolos de Sangue, apenas nas prestações em cuidados de saúde primários, neste caso em concreto nos Centros de Saúde.
No que diz respeito aos critérios para atribuição de isenção aos Dadores de Sangue, as Circulares Normativas da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), com os N.ºs 36 e 8, de 28 de Dezembro de 2011 e 19 Janeiro de 2012, respetivamente, explicitam que os Dadores de Sangue podem apenas beneficiar da isenção do pagamento dos valores das taxas moderadoras nas seguintes condições, passo a citar: se tiverem efectuado mais de 30 dádivas na vida (designado por dador benemérito) ou se tiverem duas dádivas nos últimos 12 meses, incluindo os candidatos à dádiva impedidos temporária ou definitivamente de dar sangue desde que tenham efectuado 10 ou mais dádivas válidas(*).
As declarações comprovativas das condições anteriormente referidas são emitidas pelos Serviços de Sangue ou pelo IPSangue,IP. *
Aqui está a razão que me motiva a dizer que, com uma mão tiram-nos o sangue, com a outra sacam-nos o dinheiro da carteira. Isto revela uma falta de sensibilidade social pela causa da dádiva impressionante.
O descontentamento e número de queixas que nos são transmitidas pelos dadores associados da ADASCA é preocupante, muitos declaram mesmo que vão deixar de doar sangue porque se sentem explorados ou enganados.
O Ministério da Saúde, com a imposição destas regras, esqueceu-se da parte mais importante: as motivações que levam as pessoas a doar sangue, e a sua mais valia social, pensou apenas na vertente do lucro fácil, na economia de escala ou seja: o dador deve suportar o SNS duas vezes, uma pela via da dádiva e a segunda pagando os valores das taxas moderadas.
Claramente, estamos perante um Decreto-Lei injusto, penalizador, ignóbil e iníquo, com o qual a ADASCA não pode concordar de forma alguma, por isso se associou à campanha nacional de angariação de assinaturas que foram entregues na Assembleia da República, na esperança de que algo venha a ser alterado nesta área, como também não vai estar presente na comemoração deste dia em Lisboa.
A maior parte das associações de dadores não se revêem nas duas federações existentes, pelo que não lhes reconhece autoridade moral para as representar, como ainda consideram o senhor ministro da sáude “um intruso” na comemoração deste dia, que devia ser de regozijo para todos os dadores de sangue. O ministro da saúde vai ficar famoso na história da dádiva de sangue pela coragem que teve, em obrigar os dadores a pagarem a derrapagem que encontrou nas contas do ministério. Não merece o nosso respeito.
Se a hipocrisia dos discursos lidos neste dia se transformassem em pão, ninguém passava fome, nem sequer eram necessários tantos bancos alimentares contra a fome.
*Fundador/Presidente da Direcção da ADASCA
Aveiro, 27 de Março de 2012
NB: Anexo Tabela de Preços das Unidades Terapeuticas de Sangue a Cobrar pelo IPS. Os dadores de sangue é que são comerciantes de sangue, interesseiros? Senhor Ministro, basta repor o Despacho nº. 6961/2004 (2ª. Série), e os dadores regressarão de imediato, deixando assim de haver tanta preocupação com a s dádivas de sangue. Não diga que os dadores são interesseiros.
Se continua com essas declarações, deixa de ser digno de continuar o lugar que presentemente ocupa.
*Circular Normativa Nº 8/2012, de 19 Janeiro da Administração Central dos Sistema de Saúde (ACSS).
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