3.06.2013

Patrões de Sócrates contra o Estado



Patrões de Sócrates contra o Estado
por Catarina Guerreiro


O grupo farmacêutico Octapharma – que contratou José Sócrates para presidente do seu conselho consultivo para a América Latina – está em litígio com o Estado português, tendo impugnado um recente concurso público que visa o tratamento e o uso do plasma nacional, que tem ido para o lixo.
Segundo o SOL apurou, em causa está um concurso lançado em Junho de 2012 que visava escolher a empresa para inactivar o plasma (um processo de purificação biológica para garantir que não contém nenhum vírus) recolhido aos portugueses pelo Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST). Ao todo, serão mais de 200 mil unidades.

Até agora, explicaram ao SOL fontes do sector, o plasma era comprado já inactivado às empresas, tendo a Octapharma quase o monopólio da venda. «Eles usam sangue de outros países, inactivam-no e vendem aos hospitais portugueses», explica uma fonte ligada ao processo, adiantando que, com este novo concurso, o IPST passa a poder também competir e vender aos estabelecimentos de saúde nacionais.

O concurso tinha quatro concorrentes e previa a inactivação do plasma através de apenas um método possível (o intercetp). A Octapharma – e também os laboratórios Maco Spania – impugnou-o, alegando que, ao limitar o processo a esse método, afastava à partida a empresa. «Segundo esses laboratórios, ao ser imposto um método de inactivação que elas não usam, eram prejudicadas», refere outra fonte.

O responsável do laboratório em Portugal, Paulo Castro, confirmou ao SOL o litígio: «A Octapharma, no cumprimento das regras que regem os concursos públicos, reserva-se o direito de contestar os programas de concurso que, no seu entender, não respeitam a lei. O concurso em causa, de resto, foi contestado por outro concorrente além da Octapharma». Com a impugnação do concurso, este teve de ser retirado, em Novembro passado.

Todo este processo decorreu no segundo semestre do ano passado, altura em que José Sócrates terá sido contactado pela Octapharma. Segundo a empresa, o ex-primeiro-ministro começou a exercer as novas funções a 1 de Janeiro deste ano, mas foi convidado oito meses antes.

O processo para a inactivação do plasma está agora nas mãos dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde. Em breve, apurou o SOL, o Governo irá lançar o novo concurso, com algumas alterações. O plasma inactivado é usado em doentes com grandes hemorragias, por exemplo.

Concurso suspenso no Executivo de Sócrates

Este plasma que se pretende inactivar faz parte das 400 mil unidades que todos os anos são recolhidas aos dadores nacionais. E grande parte vai para o lixo por não existirem formas de o inactivar em grandes quantidades (só é possível realizar esta inactivação em pequenas doses e através de um sistema em que o plasma é colocado de quarentena) e por não se conseguir fraccionar o plasma português. Este fraccionamento é que permite a produção de vários produtos diferentes – como albuminas, imunoglobulinas e factores da coagulação (factor VII e factor VIII), estes últimos para os hemofílicos.

Ou seja, em algumas doenças usa-se o plasma do sangue inactivado. Noutras, utiliza-se apenas uma das proteínas nele existentes (como a albumina) , que necessita de ser fraccionada de forma industrial.

A verdade é que há vários anos que Portugal tenta fraccionar o plasma nacional, mas não consegue.

Em 2009, o Governo de Sócrates lançou um concurso internacional público para escolher a empresa que o faria. Mas o processo acabou por ser suspenso em 2011, por Manuel Pizarro, o então Secretário de Estado da Saúde. «O Governo já estava em gestão corrente e achei que não era correcto lançar um concurso de 25 milhões de euros», explica Manuel Pizarro ao SOL, acrescentando que o concurso só estava pronto para ser lançado em 2011, por terem sido levantadas várias questões, nomeadamente relativas ao júri. «Mas, quando saí do Ministério da Saúde, deixei o dossiê pronto», garante o agora deputado e candidato do PS à Câmara Municipal do Porto.

No entanto, fonte do IPST adiantou ao SOL que, quando o novo Executivo tomou posse, deparou-se com um caso complexo. «O concurso estava longe de estar em condições de ser lançado, pois até entre o júri havia posições diferentes em relação às mesmas questões».

Apesar disso, o Governo promete para breve lançar este concurso para que os derivados de plasma usados nos hospitais nacionais possam ser fabricados com sangue recolhido no país. «Fracciona-se plasma nacional e dá-se depois às empresas para fabricarem aqueles derivados, o que baixa o preço. Além disso, pode-se leiloar a nível internacional e exportar», explica um especialista na área, sublinhando que se pouparia nos milhões que são pagos aos laboratórios.

Negócio milionário

Manuel Pizarro admite que o plasma é um negócio milionário, recordando que, em 2009, custava ao Estado 60 milhões de euros, valor que era quase na sua totalidade pago à Octapharma. No entanto, o ex-secretário de Estado rejeita que tenha existido algum favorecimento do governo socialista à empresa. «Actuei no sentido de diminuir a posição dominante no mercado de uma empresa», sublinha o antigo governante, referindo-se ao facto de ter permitido que cada hospital passasse a comprar individualmente aos laboratórios, deixando de vigorar a lei que impunha as compras centralizadas.

«Os despachos anteriores de 1992 e 1995 obrigavam a compras centralizadas por questões de segurança (devido ao trauma do caso dos hemofílicos. Uma vez que essa questão já não fazia sentido nessa altura, autorizou-se a compra individual, facilitando que os hospitais negociassem melhores preços», frisa Pizarro, explicando que até àquela data, era apenas a Octapharma, através do concurso para a compra centralizada, que fornecia aos hospitais.

catarina.guerreiro@sol.pt

Tags: Octapharma, José Sócrates, Estado, Farmacêuticas, Sociedade

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