Patrões de
Sócrates contra o Estado
por
Catarina Guerreiro
O
grupo farmacêutico Octapharma – que contratou José Sócrates para presidente do
seu conselho consultivo para a América Latina – está em litígio com o Estado
português, tendo impugnado um recente concurso público que visa o tratamento e
o uso do plasma nacional, que tem ido para o lixo.
Segundo
o SOL apurou, em causa está um concurso lançado em Junho de 2012 que visava
escolher a empresa para inactivar o plasma (um processo de purificação
biológica para garantir que não contém nenhum vírus) recolhido aos portugueses
pelo Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST). Ao todo, serão mais
de 200 mil unidades.
Até
agora, explicaram ao SOL fontes do sector, o plasma era comprado já inactivado
às empresas, tendo a Octapharma quase o monopólio da venda. «Eles usam sangue
de outros países, inactivam-no e vendem aos hospitais portugueses», explica uma
fonte ligada ao processo, adiantando que, com este novo concurso, o IPST passa
a poder também competir e vender aos estabelecimentos de saúde nacionais.
O
concurso tinha quatro concorrentes e previa a inactivação do plasma através de
apenas um método possível (o intercetp). A Octapharma – e também os
laboratórios Maco Spania – impugnou-o, alegando que, ao limitar o processo a
esse método, afastava à partida a empresa. «Segundo esses laboratórios, ao ser
imposto um método de inactivação que elas não usam, eram prejudicadas», refere
outra fonte.
O
responsável do laboratório em Portugal, Paulo Castro, confirmou ao SOL o
litígio: «A Octapharma, no cumprimento das regras que regem os concursos públicos,
reserva-se o direito de contestar os programas de concurso que, no seu
entender, não respeitam a lei. O concurso em causa, de resto, foi contestado
por outro concorrente além da Octapharma». Com a impugnação do concurso, este
teve de ser retirado, em Novembro passado.
Todo
este processo decorreu no segundo semestre do ano passado, altura em que José
Sócrates terá sido contactado pela Octapharma. Segundo a empresa, o
ex-primeiro-ministro começou a exercer as novas funções a 1 de Janeiro deste
ano, mas foi convidado oito meses antes.
O
processo para a inactivação do plasma está agora nas mãos dos Serviços
Partilhados do Ministério da Saúde. Em breve, apurou o SOL, o Governo irá
lançar o novo concurso, com algumas alterações. O plasma inactivado é usado em
doentes com grandes hemorragias, por exemplo.
Concurso suspenso no Executivo
de Sócrates
Este
plasma que se pretende inactivar faz parte das 400 mil unidades que todos os
anos são recolhidas aos dadores nacionais. E grande parte vai para o lixo por
não existirem formas de o inactivar em grandes quantidades (só é possível
realizar esta inactivação em pequenas doses e através de um sistema em que o
plasma é colocado de quarentena) e por não se conseguir fraccionar o plasma
português. Este fraccionamento é que permite a produção de vários produtos
diferentes – como albuminas, imunoglobulinas e factores da coagulação (factor
VII e factor VIII), estes últimos para os hemofílicos.
Ou
seja, em algumas doenças usa-se o plasma do sangue inactivado. Noutras, utiliza-se
apenas uma das proteínas nele existentes (como a albumina) , que necessita de
ser fraccionada de forma industrial.
A
verdade é que há vários anos que Portugal tenta fraccionar o plasma nacional,
mas não consegue.
Em
2009, o Governo de Sócrates lançou um concurso internacional público para
escolher a empresa que o faria. Mas o processo acabou por ser suspenso em 2011,
por Manuel Pizarro, o então Secretário de Estado da Saúde. «O Governo já estava
em gestão corrente e achei que não era correcto lançar um concurso de 25
milhões de euros», explica Manuel Pizarro ao SOL, acrescentando que o concurso
só estava pronto para ser lançado em 2011, por terem sido levantadas várias
questões, nomeadamente relativas ao júri. «Mas, quando saí do Ministério da Saúde,
deixei o dossiê pronto», garante o agora deputado e candidato do PS à Câmara
Municipal do Porto.
No
entanto, fonte do IPST adiantou ao SOL que, quando o novo Executivo tomou
posse, deparou-se com um caso complexo. «O concurso estava longe de estar em
condições de ser lançado, pois até entre o júri havia posições diferentes em
relação às mesmas questões».
Apesar
disso, o Governo promete para breve lançar este concurso para que os derivados
de plasma usados nos hospitais nacionais possam ser fabricados com sangue
recolhido no país. «Fracciona-se plasma nacional e dá-se depois às empresas
para fabricarem aqueles derivados, o que baixa o preço. Além disso, pode-se
leiloar a nível internacional e exportar», explica um especialista na área,
sublinhando que se pouparia nos milhões que são pagos aos laboratórios.
Negócio milionário
Manuel
Pizarro admite que o plasma é um negócio milionário, recordando que, em 2009,
custava ao Estado 60 milhões de euros, valor que era quase na sua totalidade
pago à Octapharma. No entanto, o
ex-secretário de Estado rejeita que tenha existido algum favorecimento do
governo socialista à empresa. «Actuei no sentido de diminuir a posição
dominante no mercado de uma empresa», sublinha o antigo governante,
referindo-se ao facto de ter permitido que cada hospital passasse a comprar
individualmente aos laboratórios, deixando de vigorar a lei que impunha as
compras centralizadas.
«Os
despachos anteriores de 1992 e 1995 obrigavam a compras centralizadas por
questões de segurança (devido ao trauma do caso dos hemofílicos. Uma vez que
essa questão já não fazia sentido nessa altura, autorizou-se a compra
individual, facilitando que os hospitais negociassem melhores preços», frisa
Pizarro, explicando que até àquela data, era apenas a Octapharma, através do
concurso para a compra centralizada, que fornecia aos hospitais.
catarina.guerreiro@sol.pt
Tags:
Octapharma, José Sócrates, Estado, Farmacêuticas, Sociedade
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