A BOMBA H, PRINCÍPIO OU FIM?
A simples reflexão não pode dar uma resposta a este dilema. No entanto, a decisão tem uma influência considerável sobre o nosso pensamento e sobre o nosso sentido dos valores na medida em que tem um carácter inabalável de convicção.
Deixai-me confessar uma coisa: no que me diz respeito, a aspiração ao conhecimento representa um destes fins que se bastam a si próprios e sem os quais não é possível, para o homem que pensa, uma afirmação da existência.
Esta aspiração ao conhecimento tende, por sua própria natureza, para o domínio dos aspectos vários e multiformes das experiências, para uma simplificação e uma limitação das hipóteses fundamentais. Acreditar nestes objectivos finais, no estado ainda elementar das nossas investigações, é, por si só, um acto de fé. Sem uma tal fé, a convicção do valor intrínseco ligado ao conhecimento não pode ser, em minha opinião, nem forte nem sólida.
Esta orientação, por as

Deste paradoxo resulta, como consequência, que um homem que dedica as suas melhores forças a realizações objectivas, torna-se, do ponto de vista social, de tal modo individualista que, pelo menos em princípios, se baseia apenas no seu próprio juízo.
É bastante fácil demonstrar que o individualismo intelectual e o poder cientifíco apareceram simultaneamente na história e, desde então, nunca mais se separaram.
Poder-se-ia objectar que o homem de ciência assim descrito não seria mais que uma simples abstracção, que seria impossível encontrá-lo, em carne e osso, neste mundo, e que, de certo modo, seria semelhante ao «homo-economicus» da economia clássica.
Pessoalmente, parece-me que a ciência, tal como ela hoje nos aparece, não teria podido nascer e permanecer, se não tivessem existido, no decurso dos séculos, homens de ciência como os que acabo de descrever.
É evidente que não considero homem de ciência aquele que aprendeu a utilizar instrumentos e adoptar métodos de trabalho que, directa ou indirectamente, parecem «científicos», mas só aquele que tem uma mentalidade científica viva.
Que lugar ocupará o homem de ciência na sociedade contemporânea? Ele é sempre orgulhoso do facto de que, de um ou de outro modo, e quase sempre indirectamente, o trabalho dos seus pares tenha transformado a vida económica dos homens ao ponto de fazer desaparecer, em muitos casos, o trabalho manual.
Mas ele está também angustiado pelo facto dos resultados das suas obras acabarem por constituir uma ameaça obscura para a humanidade, desde o momento em que os frutos das suas investigações caíram nas mãos daqueles que detêm o poder político. Ele é consciente do facto que a aplicação das suas investigações concentrou nas mãos de uma pequena minoria, em primeiro lugar, um poder económico e, depois, um poder politico de que depende estreitamente a sorte da massa dos indivíduos, a qual parece cada vez mais amorfa. Mas, ainda há uma outra coisa: esta concentração da força económica e política

De modo que vemos hoje delinear-se para o homem de ciência um destino verdadeiramente trágico. Amparado pelas suas aspirações para a clareza e para a independência exterior, ele forjou, por si próprio, com a sua força quase sobre-humana, as armas da sua sujeição exterior e do aniquilamento da sua personalidade. Ele tem que se vergar ao silêncio que lhe é imposto pelos detentores do poder político, é obrigado, como se fosse um soldado, a sacrificar a sua própria vida e, o que é pior, a destruir a dos outros, ainda que esteja convencido do absurdo de tal sacrifício.
Ele vê, com uma clareza absoluta, que a situação provocada pela história que deixa aos Estados a faculdade de dispor do poder económico e político e, por consequência, do poder militar, tem que levar ao aniquilamento total. Ele tem a consciência de que o homem só pode salvar-se se substituir os métodos da força bruta por um organismo jurídico supernacional.
Deste modo, ele é coagido a aceitar, como um destino imutável, a escravatura que lhe é imposta pelo Estado nacionalista. E ele humilha-se ao ponto de prestar-se, acatando ordens, ao aperfeiçoamento contínuo dos meios que levam à completa destruição dos homens.
Deve o homem de

Teria já passado o tempo em que a sua liberdade interior, a independência do seu pensamento e das suas investigações puderam iluminar e enriquecer a vida do homem? Teria ele esquecido a sua própria responsabilidade e a sua dignidade, nas suas investigações pela verdade científica? Um homem interiormente livre pode ser morto, mas não reduzido à escravatura nem transformado num instrumento cego.
Se o homem de ciência da nossa época encontrasse a ocasião e a coragem para avaliar, séria e serenamente, a sua posição e a sua tarefa, e depois, como consequência, se decidisse a actuar, renasceria então a esperança de encontrar uma solução razoável e satisfatória para a situação de perigo que, hoje, a todos ameaça.
Por detrás das muralhas do mistério, aperfeiçoam-se, com uma pressa febril, os meios de destruição colectiva. Se este objectivo for atingido, o envenenamento da atmosfera pela radioactividade e, por consequência, a destruição de toda a vida sobre o planeta, entrou no domínio das possibilidades técnicas. E tudo parece encadear-se neste sinistro desenrolar dos acontecimentos.
Cada passo aparece como a consequência inevitável daquele que o precedeu. Ao fim da estrada recorta-se cada vez mais distintamente o espectro da destruição total.
Nós não podemos deixar de prevenir ainda e sempre; não podemos abrandar os nossos esforços no sentido de dar consciência às nações do mundo, e sobretudo aos seus governos, do espantoso desastre que podem estar certos de provocar, se não modificarem a sua atitude de uns contra os outros, e a sua maneira de conceber o futuro.
O nosso mundo está ameaçado por uma crise cuja amplitude parece escapar àqueles que têm o poder de tomar grandes decisões, que tanto o podem ser para o bem como para o mal. A potência desencadeada pelo átomo tudo modificou, salvo a nossa maneira de pensar e, deste modo, somos arrastados para uma catástrofe sem precedente. Para que a humanidade possa sobreviver, é indispensável uma nova maneira de pensar.
Desviar esta ameaça, eis o problema mais urgente do nosso tempo.
No momento decisivo - e eu espero este momento grave - gritarei com todas s forças que me restam.
Pensamentos: "Os que sabem não falam, Os que falam não sabem". (Lau Tseu 600 a.C.). "Quem perde a Pureza do coração, perde a Ciência". (Nicolau Valois, Alquimista, séc. XV). "O género humano quase perde a esperança de que seja possível deter esta loucura homicida e suicida". (Pio XII).
"Para que a humanidade possa sobreviver, é indispensável uma nova maneira de pensar". (Einstein).
Albert Einstein
Transcrito do Livro: A Bomba H, Princípio ou Fim?
Autor: Charles-Noel Martin
Edição: Livros do Brasil, Lisboa
NB: Este livro foi dedicado ao grande público, aos estudiosos e a todo aquele de quem depender a sorte dos povos, por um homem especializado em questões nucleares, cujas comunicações, feitas à Academia das Ciências, em Novembro de 1954, tiveram grande repercussão em todo o mundo.
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