4.08.2012

Carta Aberta da ADASCA ao Senhor Ministro da Saúde

Assunto: Carta Aberta ao Senhor Ministro da Saúde.


Exmo. Senhor Ministro da Saúde,

Estamos em época de Páscoa, e como é tradicional nesta altura destrui-se amêndoas aos familiares e amigos, como ainda uma mensagem de reconciliação, perdão e de esperança no futuro, que tudo será melhor, assim vamos sonhando.

No ano transacto a Associação de Dadores de Sangue do Concelho de Aveiro, doravante designada por ADASCA, cumpriu com este gesto tradicional, oferecendo amêndoas aos seus associados, no presente está fora de hipótese, não reunimos condições financeiras.

É verdade que está escrito na Bíblia Sagrada que a boca fala do que o coração está cheio. Baseado neste trecho bíblico, devo dizer ao senhor Ministro da Saúde (?) que sinto uma profunda amargura ao dirigir-me a si, por este meio e nesta altura do ano.

Confesso que as amêndoas que o senhor Ministro tem para distribuir pelos dadores de sangue, não são as mais saborosas, mas, ainda pode fazer uma troca: em vez de amêndoas, ofereça a plena isenção das Taxas Moderadoras, será sem dúvida a melhor oferta que nos pode fazer.

Ouvi as declarações do senhor Ministro no decorrer da cerimónia do Dia Nacional do Dador de Sangue que decorreu em Lisboa, devo dizer-lhe que fiquei seriamente preocupado, quando em jeito de resposta à jornalista disse que não respondia a provocações. Já agora, gostaria de saber quem provocou o senhor Ministro? Fui eu? Foram as associações de Dadores de Sangue? Foram os dadores presentes na referida cerimónia?

Se o senhor Ministro da Saúde se sente ofendido pela forma como os dadores de sangue e alguns dos seus representantes manifestam o descontentamento que os invade, o que temos nós a dizer a seu respeito, atendo à forma como nos trata? Também somos de carne e osso como o senhor Ministro e vivemos de sentimentos, uns mais solidários do que outros.

A ADASCA, da qual sou seu principal fundador e Presidente da Direcção, é frequentemente contactada por dadores de sangue, no sentido de saberem se vai ou não ser reposta a Portaria que isentava os dadores das Taxas Moderadoras. Que resposta devo dar aos quase 3000 dadores associados desta associação? Digo-lhes que assiste-me alguma esperança disso vir a acontecer, embora não se saiba quando.

Muitos, tem-se manifestado desagradados com as notícias vindas a público em diversos órgãos da comunicação social, alguns acusam-me de estar a esconder a verdadeira informação que lhes devia transmitir, quando em abono da verdade a referida associação nada sabe em concreto. Como porta-voz dos mesmos, sou levado a colocar a seguinte questão ao senhor Ministro: vai ou não rever a situação, e quando poderá vir a suceder?

Imensos dadores têm manifestado vontade de deixarem de comparecer nos locais para onde são convidados a doarem sangue. Claro, isto preocupa-me imenso, quiçá ao senhor Ministro nem por isso (?), mas, eu que dou os ouvidos e a cara no terreno todos os dias, é desagradável, e profundamente desconfortável passar por estes momentos, quando tudo podia ser bem melhor.

Na minha opinião, se os poucos incentivos que a Lei conferia aos dadores, já não eram integralmente respeitados no Serviço Nacional de Saúde, agora com as recentes alterações, temo que a situação se agrave com a chegada das férias do Verão. O seu ministério vai lançar novos apelos?

O senhor Ministro da Saúde como ainda o senhor Secretário de Estado passaram para a opinião pública uma imagem negativa dos dadores de sangue, fazendo crer assim que estes e as associações suas representantes são os maus da fita, por não terem acatado as medidas que vieram retirar a isenção das Taxas Moderadoras, o que repudio de todo, registou-se uma clara falta de coragem para reconhecer o erro então cometido.

Tais declarações na minha opinião além de infelizes classificamo-las de provocatórias, atentando contra o bom nome dos dirigentes e conspurcando a imagem social das associações. Repito, os tais que dão os ouvidos e a cara no terreno ouvindo as queixas dos dadores de sangue e ex-dadores, além de visar provavelmente uma tentativa de branqueamento ao erro legislativo que o Senhor Ministro da Saúde cometeu com a implementação do iníquo Decreto-Lei nº. 113/2001 de 29 de Novembro, sendo a principal causa para a redução brutal de dádivas (3000 só no mês de Fevereiro), e não a gripe sazonal ou outros efeitos que possam impedir/impedido temporariamente o dador de efectuar a sua dádiva de sangue como tem sido tornado público.

O senhor Ministro ainda está a tempo para reparar o erro que cometeu (todos nós erramos, somos falíveis), não queira é fazer crer publicamente que o elo social mais fraco são os dadores, quando estes são os principais prejudicados, se tivermos em conta muitos daqueles que se deslocam várias dezenas de Kms para doar sangue, sem qualquer contrapartida, sendo a maioria de classe social humilde, muitos deles já a sofrerem nas suas vidas a chaga do desempregado.

Algumas notícias dão a entender a possibilidade da privatização dos serviços de Imuno-Hemoterapia, ou seja, empresas privadas irão passar a gerir os serviços de sangue. Senhor Ministro da Saúde, o que lhe apraz dizer sobre este processo? Qual é o papel social das associações e dos dadores em todo este processo? Os dadores dão ou não lucro ao Ministério da Saúde? O que doamos vai começar a ser comercializado como acontecia há 30 anos atrás? Sou desse tempo.

É verdade que não somos mais do que uns simples trocos para a situação financeira em que encontrou o SNS, apesar disso somos apetecíveis, todos estão interessados no nosso líquido tão precioso, quiçá mais valioso do que o ouro e o petróleo.

Diz o povo e bem que o segredo é a alma do negócio, será que se aplica nesta área da saúde? Não pode haver fumo sem fogo. Aconselho as associações e os dadores a estar atentos sobre este assunto que a todos diz respeito.

A promiscuidade que se instalou no mundo da dádiva de sangue, os interesses mesquinhos e subterrâneos que desde sempre reinaram nesta área deviam envergonhar as duas federações, e algumas associações de dadores.

Na verdade, sinto que tenho uma espinha encravada na garganta, começo a sentir-me envergonhado de tanta hipocrisia que paira no ar neste campo, onde todos devíamos estar unidos em prol de uma causa social, e o que verifica é precisamente o contrário: a desunião é total, raros são os que se entendem.

Senhor Ministro, ouça directamente as queixas dos dadores de sangue, visite os locais onde decorrem as colheitas de sangue, sim os tais que estendem os braços, que se deslocam Kms para serem solidários.

O que motivou as duas federações a estarem caladas durante uns 10 anos, quando sabiam da inoperacionalidade das câmaras congeladoras para aproveitar o Plasma? Os anteriores Presidentes do IPS têm culpas formadas e efectivas em tudo o que aconteceu, e no que está ainda a acontecer. Subsídios era só pedir, enquanto os dirigentes trabalhavam no campo para estes senhores todos inchados/orgulhosos de fato e gravata ficarem lindos na imagem, pronunciando discursos sem substância.

Não será isto uma clara agressão moral contra a dignidade dos dadores benévolos de sangue, atingindo por sua vez muitos dirigentes associativos que desprendidamente dispõem dinheiro do seu bolso para fazer face às despesas no dia-a-dia na promoção da dádiva de sangue, sempre a pensar nos doentes? Não serão merecedores de respeito?

Sou um dos que me sinto usado, abusado, enganado e defraudado por algumas pessoas de excelente aparência, pronunciando palavrinhas mansas. Por um lado sinto dó destes tais, por outro sinto profunda revolta, profundo desgosto, porque a sua pretensão visa fazer dos dadores pacóvios.

Nos termos como tem sido feitos os apelos para as pessoas doarem sangue, fica-se com a ideia que os dadores são os principais culpados pela situação que se chegou, por falta de coragem/coerência de alguém em assumir o erro legislativo que se cometeu, manipulando assim psicologicamente o sofrimento dos doentes, seus familiares e amigos.

Senhor Ministro sabe tão bem como nós dirigentes de associações de dadores (os dadores também) que a questão do Plasma não foi e não é a causa principal desta quebra de dádivas. Essa insistência não lhe fica bem, a não ser aos políticos, pela dificuldade que lhes assiste em reconhecer que se cometeu um erro, que pode ser reparado.

A chave da solução para contornar a situação que se chegou está na boa vontade do senhor Ministro da Saúde quer reconheça ou não, para tanto basta repor os incentivos que os anteriores governos consideraram por bem oficializar num gesto de reconhecimento público pela dádiva de sangue.

Senhor Ministro, já completei 32 anos como dador, hoje na qualidade de fundador e Presidente da Direcção da única associação de dadores do concelho de Aveiro, nunca aconselhei a ninguém para não doar sangue, bem pelo contrário, embora a vontade não me falte, mas, em consciência sei que não estou a ser genuíno para com aquela pessoa.

Os dadores não são assim tão pacóvios como alguém pretende fazer crer, tendo em conta que são mais jovens, com um perfil claro, possuidores de um padrão intelectual académico, muitos até são profissionais da saúde, etc., etc.

Recordo o que já escrevi num dos e-mails anteriores: o senhor Ministro é soberano nesta matéria, sobre isso não dúvida ou põe em causa, mas, tenha em consideração que os dadores de sangue também o são, a sua falta de comparência nos locais para efectuarem a dádiva é disso prova evidente.

A ADASCA não esteve presente na Cerimónia do Dia Nacional do Dador de Sangue em Lisboa, como também não vai comparecer no encontro do Dia Mundial do Dador de Sangue, como tantas outras, pela simples razão de não nos revermos no conteúdo dos discursos de circunstância.

Acabei de ter conhecimento do mísero valor de subsídio que foi atribuído a esta associação, respeitante ao ano transacto imagine-se: 5.340 € (cinco mil e trezentos e quarenta euros), menos 2,760 € em relação ao anterior. Desculpas: “Tendo em conta os constrangimentos a nível de recursos financeiros, decorrente da actual conjuntura económica” não podiam ser outras.

Para uma associação como esta que apesar de congregar quase 3000 dadores associados em pouco mais de 5 anos de existência, não pagando cotas ou jóias, sem qualquer outros meios de rendimentos, como é possível promovermos actividades para a promoção da dádiva? Entramos assim no caminho da sobrevivência, vamos ter que recorrer à pedincha.

O ano de 2011 até foi no que mais resultados alcançamos, não se compreende assim esta brutal redução no apoio financeiro. Não existem condições financeiras para continuarmos a trabalhar com a mesma dedicação.

Face ao exposto, e na impossibilidade de ser mais sintético no que considerei por bem levar ao conhecimento do senhor Ministro, expresso o meu sincero reconhecimento pelo tempo que lhe ocupei.

Em conformidade com o direito de reposta constante na Constituição da República Portuguesa, aguardo por uma resposta logo que possível.

Mtº. Atentamente,

Joaquim M. C. Carlos

Fundador/Presidente da Direcção da ADASCA

Site: www.adasca.pt

Blog: aveiro123-portaaberta.blogspot.com

Aveiro, 04-04-2012

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